Dez anos depois do referendo ... | Barbedo Magalhães

>> 20090828


2009-08-27
Por Filinto Melo

"O professor catedrático da FEUP António Barbedo Magalhães segue a vida timorense pelo menos desde 1974. Antes do referendo, sobre o qual passam hoje dez anos, foi um defensor da independência e dos direitos humanos no território, desdobrando-se no apoio à então denominada "causa timorense".

Hoje está optimista, afirma que os políticos timorenses conseguiram impedir que Timor fosse um "Estado falhado" e diz que "Timor pode começar a pensar no seu desenvolvimento".

"Há uma enorme diferença entre o Timor de 1999 e o Timor de hoje", diz Barbedo Magalhães em conversa com o Ciência Hoje, no dia em que passam dez anos sobre a realização do referendo da independência no então território controlado pela Indonésia. "Díli, por exemplo, é uma cidade fervilhante de vida, já se começa a respirar", exemplifica, recordando a sua passagem pela capital timorense, no ano passado, para o lançamento do mais recente dos seus livros.

Nos primeiros anos após o referendo, explica o também presidente do IASI - International Institute for Asian Studies and Interchange, "aconteceu o mesmo que em outras ex-colónias: os interesses geoestratégicos e económicos corromperam as elites e tudo se encaminhava para haver um novo 'Estado falhado'". Muito cedo, recorda, o governo australiano do primeiro-ministro John Howard considerou Timor um "Estado falhado" e as indicações políticas dadas por um dos vizinhos gigantes de Timor vinham nesse sentido. "O papel da Austrália foi crucial" na instabilidade que Timor viveu nos primeiros anos e, na sequência do golpe contra Ramos-Horta e Xanana Gusmão (que foi quase fatal para o actual presidente timorense), foi em Canberra que pareceu haver mais preocupação em defender os implicados na violência - como o major Reinado - do que na própria Indonésia, que entregou a Timor os envolvidos que a Justiça timorense reclamava. "Não tenho dúvidas que esse governo fez tudo o que pôde para que Timor se tornasse num 'Estado falhado'", diz.

Mudanças internas e externas

A situação alterou-se, em Timor, em parte pela mudança de governo na Austrália. Kevin Rudd, que sucedeu a John Howard, merece os elogios de Barbedo Magalhães pois mudou a visão de Canberra. Mas essa mudança surge sobretudo pela persistência e pelo trabalho, diplomático, de Ramos-Horta e de Xanana Gusmão. "Timor já teve uma polícia obsoleta e um exército dividido, mas recordemos que, depois, conseguiram prender os implicados no golpe sem disparar um tiro. Exército e polícia estão organizados", exemplifica.

Claro que continua a ser um Estado pobre, onde falta muita coisa. "Faltam competências, sobretudo na área da gestão, e é preciso conter a corrupção endémica, em boa parte herdada da administração indonésia". Falta água canalizada, esgotos e estradas, cuja construção poderia conter outro dos problemas de Timor, o desemprego, e faltam qualificações e competências, e um sistema de ensino. E outro "problema gravíssimo" é o linguístico, "falta uma língua comum, que transtorna todas as áreas da vida do território, desde a saúde ao trabalho, passando pela transversal administração".

"Será uma tarefa difícil", pois "há muito que fazer", mas com os últimos anos - recorde-se que "em 1999 cerca de um terço da população timorense tinha fugido para a Indonésia e que em Díli tinham queimado casas, arquivos, documentos..." -- Timor perdeu o estigma de se tornar num "Estado falhado". E tem uma riqueza que o pode ajudar, o petróleo, cuja utilização, de acordo com a legislação emanada no governo de Mari Alkatiri, seja utilizada a bem da nação. "Mari Alkatiri teve uma visão de Estado. Só por esse trabalho deveria ser lembrado, mas claro que não devemos esquecer tudo o que fez nos tempos da resistência".

O acervo na FEUP, e depois em Timor
Barbedo Magalhães disponibilizou o seu acervo bibliográfico à FEUP, que foi inaugurado em Junho passado na Biblioteca da Faculdade de Engenharia do Porto, com a presença de Kristy Sword Gusmão. São cerca de 2500 obras sobre Timor Leste, a Indonésia e a Política Internacional relacionada. O professor catedrático da FEUP e presidente do IASI deve anexar em breve "o acervo arquivístico que já está na FEUP, e que reúne jornais, revistas, fotografias, cassetes áudio e vídeo, etc.", segundo revelou na ocasião. O acervo deverá ser enviado para Timor e integrar o Arquivo da Resistência Timorense.

Autor de sete livros sobre Timor-Leste e a Indonésia, foi mobilizado em 1974 para Timor, tendo, já doutorado, coordenado o trabalho de uma equipa luso-timorense que elaborou um projecto para a reestruturação do ensino em Timor. Foi membro da Comissão para os Direitos do Povo Maubere, da Associação Paz e Justiça para Timor-Leste e da Comissão Organizadora das Jornadas de Timor da Universidade do Porto, tendo organizado numerosas conferências em Portugal, Alemanha, Austrália, Estados Unidos, Canadá, Brasil, entre outros.
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