Transparência e clareza | Isabel Feijó

>> 20100515

Passo a citar:

"Caros amigos,

Chamo a vossa atenção para a carta de resposta ao artigo publicado no passado dia 3 de Maio na PNN, intitulado Timor-Leste: a língua portuguesa em dúvida.

Isabel Feijó"
Subject: carta ao director PNN
Exmo Senhor Director PNN,
Tomo a liberdade para chamar a vossa atenção para um texto em anexo que pretende esclarecer algumas inverdades e afirmações abusivas contidas no vosso artigo Timor-Leste: a língua portuguesa em dúvida, publicado no passado dia 3 de Maio. Se for possível agradeço que este esclarecimento seja divulgado da mesma forma que o artigo que lhe deu origem.

Esta mensagem segue com cópia para a Sra. D. Kirsty Sword Gusmão, uma vez que a sua pessoa é visada no vosso artigo e no meu texto de resposta e esclarecimento.

Sou cidadã portuguesa, intérprete de conferência. Fui responsável por um projecto de formação de tradutores e de intérpretes para as instituições da Justiça em Timor-Leste em 2004-2005 e membro de uma missão PNUD de avaliação da situação linguística e das necessidades de tradução e interpretação na Administração Pública de Timor-Leste, Outubro-Dezembro de 2008. Acompanho diariamente a situação em Timor-Leste através do vosso site, bem como de outras publicações online, diversos blogs e contactos pessoais.
Isabel Feijó
*****



Exmo. Senhor Director,

A Portuguese News Network (PNN) publicou no passado dia 3 de Maio, um artigo intitulado Timor-Leste: a língua portuguesa em dúvida onde se afirma que a manutenção do português como língua oficial de Timor-Leste tem vindo a ser questionada nos últimos meses. O artigo contém uma série de afirmações não fundamentadas, erros e imprecisões que podem criar nos leitores menos conhecedores da realidade leste-timorense a impressão de que existe um qualquer movimento recente contra a língua portuguesa.
Apresentam-se de seguida algumas correcções e esclarecimentos relativamente ao texto publicado:

1.

Dizer que a manutenção do português como língua oficial de Timor-Leste tem vindo a ser questionada “nos últimos meses” por “várias vozes” é incorrecto. Não houve, em meses recentes, declarações nesse sentido por figuras da sociedade timorense.
Houve, isso sim, declarações de algumas figuras públicas timorenses a favor de uma maior utilização da língua tétum, língua nacional e co-oficial de Timor-Leste. Foi o caso, nomeadamente, do CEMGFA Taur Matan Ruak, que se referiu especificamente à situação nos tribunais e do Ministro da Educação João Câncio, que falava na cerimónia de lançamento de um grupo de trabalho criado no âmbito da Comissão Nacional da Educação para a elaboração de uma política linguística para o sector do ensino
O Major-General Ruak fez eco de preocupações sobre a situação linguística no sector da justiça de Timor-Leste que são partilhadas por diversos especialistas e observadores. Essas preocupações relacionam-se com a necessidade de garantir um mais fácil acesso dos cidadãos às leis e à justiça através do recurso ao tétum e outras línguas nacionais e têm sido referidas ao longo dos anos em diversos relatórios sobre o sector. Ainda recentemente, tais preocupações foram reiteradas no relatório de uma comissão independente mandatada pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas para analisar o sector da justiça, presidida por um juiz luso-americano e que incluía uma juíza portuguesa e formadora no Centro de Estudos Judiciários.
O Ministro da Educação João Câncio, nas suas declarações públicas, reafirmou princípios que constam do documento orientador da política educativa de Timor-Leste em vigor desde Outubro de 2008 (Lei nº 14/2008 de 29 de Outubro, a Lei de Bases da Educação) onde se afirma que o português e o tétum são as línguas de ensino do sistema educativo (artigo 8º).
2.

Também não é correcto dizer que o o Representante Especial Adjunto do Secretário-Geral da ONU em Timor-Leste, Finn Reske-Nielsen, “questionou, de forma aberta, o uso da língua portuguesa em Timor-Leste” numa conferência internacional em Díli. O Sr. Reske-Nielsen, que falava em nome das agências, fundos e programas das Nações Unidas na conferência dos parceiros de desenvolvimento de Timor-Leste, afirmou que as questões linguísticas são essenciais para a construção de uma nação e a sua estabilidade a longo prazo e que esperava que as disposições constitucionais se traduzissem em breve numa política linguística a médio- e longo-prazo. Acrescentou que se tratava de uma questão importante que cabia unicamente aos Timorenses resolver, manifestando a disponibilidade das entidades que representa para operacionalizar e implementar qualquer política que fosse adoptada.

3.

Quanto à Sra. Kirsty Sword-Gusmão, é igualmente incorrecto afirmar que “tem usado como estratégia para a defesa do Tétum o ataque à língua lusa”, uma estratégia que o autor do artigo qualifica de “perigosa”.

Em primeiro lugar, porque o articulista lhe atribui pessoalmente uma “estratégia” que, a existir, seria partilhada pelos demais membros do Conselho Nacional da Educação (CNE), órgão consultivo do Ministro da Educação. Com efeito, a iniciativa atrás referida de criação de um grupo de trabalho para a definição de uma política linguística para o sistema de ensino é uma iniciativa da CNE, e o grupo de trabalho agora constituído inclui representantes do ministério, sociedade civil, instituições ligadas ao ensino, Igreja Católica, etc.
Depois, porque sugere a existência de uma “estratégia” quando, na verdade, o objectivo do grupo de trabalho é precisamente discutir e delinear uma estratégia que permita melhorar o desempenho escolar das crianças.
Em seguida, porque a atitude da Sra. Sword-Gusmão não é de “defesa” da língua tétum que, quer se queira quer não, é crescentemente utilizada na sociedade timorense desde que o país se tornou independente, mas de “promoção” da sua utilização correcta, nomeadamente recorrendo ao padrão ortográfico conhecido como tetun ofisiál que foi desenvolvido pelo Instituto Nacional de Linguística com o contributo fundamental do Prof. Geoffrey Hull.
E ainda, porque não são conhecidas afirmações públicas da Sra. Sword-Gusmão de “ataque à língua portuguesa”, nem o autor do artigo apresenta quaisquer citações que sustentem tal afirmação.
Finalmente, porque para quem conhece a língua tétum e a fala fluentemente, como é o caso da Sra. Sword-Gusmão, não faz qualquer sentido defender o tétum atacando o português.
Com efeito, Timor representa um caso único no contexto dos territórios colonizados por Portugal. Ao contrário das restantes colónias, onde nenhuma língua indígena conseguiu disseminar-se por todo o território, as características específicas da colonização em Timor fizeram com que fosse uma língua local, e não uma variedade de português, a transformar-se numa quase língua franca.
Essa quase língua franca foi o tétum-praça, variedade do tétum que nasceu do contacto entre as formas pré-existentes de tétum e a língua portuguesa, da qual assimilou um vocabulário muito significativo bem como formas e estruturas gramaticais. O actualmente designado “tétum oficial”, cuja ortografia e gramática foram fixadas pelo INL, inspira-se numa variante (acrolectal) do tétum-praça, enriquecida com sons, formas gramaticais e vocabulário das formas indígenas do tétum e do português, a que recorre para novos vocábulos e formas. Ao fazê-lo, o INL mantém-se fiel à génese e natureza do tétum-praça, consciente de que a associação renovada de ambas as línguas será positiva e frutífera, tanto no que se refere ao seu desenvolvimento como à sua aprendizagem.
Em Timor-Leste é pois pertinente falar de um “binómio tétum-português”, reflexo da cultura híbrida leste-timorense, onde se misturam elementos indígenas e latinos numa síntese que é elemento essencial da identidade de Timor-Leste. Assim sendo, a língua tétum, na sua variante praça ou oficial pode, com propriedade, ser considerada também “património da lusofonia”, pelo que não faz sentido dizer de alguém que a conhece e fala fluentemente que “para a defesa do Tétum [promove] o ataque à língua lusa”.

4.

Tendo em conta o que atrás ficou dito, torna-se difícil sustentar a existência, por parte das figuras nomeadas no artigo e, em particular, da Sra. Sword-Gusmão, de um plano de “abolição da língua portuguesa e de defesa do inglês e do bahasa indonésio”. Um plano que, como defende o articulista, “sob o véu de uma estratégia para a educação” configuraria um “ataque” ao português destinado a conseguir seu “afastamento” do tétum, resultando na “vulnerabilidade” deste e podendo mesmo “abrir as portas à implosão de todo o esforço de preservação da herança cultural e histórica”.
É inegável que o grupo de trabalho atrás referido tem pela frente uma tarefa complexa e terá de lidar com uma questão delicada, o recurso às línguas maternas na fase inicial do processo de escolarização. No entanto, e ao contrário do que afirma o autor do artigo, a diversidade linguística de Timor-Leste é considerada uma parte essencial da “herança cultural e histórica” do país e não um fenómeno que “subsiste” ou que se pode “agravar ainda mais”.

A concluir

Do que acima ficou escrito pode-se concluir que as “várias vozes” que recentemente se manifestaram sobre questões linguísticas em Timor-Leste o fizeram sobre problemas muito reais e sérios que afectam a sociedade leste-timorense (no sector da justiça, no sistema de ensino), e que preocupam não apenas os responsáveis do país mas também a comunidade internacional.
Em momento algum, porém, qualquer das figuras públicas mencionadas no artigo da PNN se referiu ou pôs em causa a opção constitucional de Timor-Leste por duas línguas oficiais – o português e o tétum.
Dito isto, a questão do português em Timor-Leste, seja qual for o modo como for apresentada – reintrodução, consolidação, manutenção – é suficientemente importante para merecer um tratamento ponderado e rigoroso. Nesse sentido, sugere-se à PNN, enquanto agência noticiosa independente, generalista, e de difusão global em língua portuguesa, a realização de um trabalho de investigação jornalística sério e imparcial acerca da situação das línguas em Timor-Leste.

_______________
 Em falta: Notas de Rodapé

Isabel Feijó

Cidadã portuguesa, intérprete de conferência, responsável por um projecto de formação de tradutores e de intérpretes para as instituições da Justiça em Timor-Leste em 2004-2005, membro de uma missão PNUD de avaliação da situação linguística e das necessidades de tradução e interpretação na Administração Pública de Timor-Leste, Outubro-Dezembro de 2008.

4 comentários:

Anónimo,  sábado, 15 de maio de 2010 às 16:26:00 WEST  

Espero que a PNN tenha tido a decencia de publicar esta clarificacao muito bem dada. :-)

Anónimo,  sábado, 15 de maio de 2010 às 17:24:00 WEST  

Se o tivesse feito os alertas da Google teriam dado sinal de igual modo como deu quando lançaram as "inverdades e informações abusivas", é-lhes o prato do dia... Uma sua parceria, o TimorLorosaeNacao editou-o pois foi-lhe mandado pedido nesse sentido. O que é de enaltecer tal postura.

A manipulação de informação é constante por parte, também, desses personagens...

Anónimo,  sábado, 15 de maio de 2010 às 23:57:00 WEST  

É por estas e por outras que anda muita gente distraída com supostos "SOMOS OS OLHOS QUE VÊEM,OS OUVIDOS QUE ESCUTAM,OS CORPOS QUE SENTEM,AS VOZES QUE NÃO SE CALAM", como reza o blog TimorLorosaeNação...

Vêem o que querem fazer querer ver, escutam sim e sentem os corpos, todos os corpos sentem e são sobretudo vozes que não se calam com inverdades e afirmações abusivas desde 2006. Antes não existiam em tal sentido, caladinhos que estavam instalados...

Para eles e elas tudo é negativo desde que não seja da sua cor.

Acontece que esclarecimentos destes são raros pois dar trela a gente desta é fazer-lhes o favor. No caso foi tão só desmontar o joguinho que aprontaram. Como passou de "moda" o caso Zacarias viraram-se para o assunto seguinte.

Já é feitio.

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