Em cadeia ... Ainda a questão SOL/TABU e a ética (qual ética?)

>> 20080714

Aqui se transcreve um artigo SOL = Jornalismo Visceral?, original do blogue Ma Ke Jeto, Mosso [bluewater68], por se considerar que o texto deve ser lido e divulgado. Assim, e com a autorização devida (e que agradeço!), passo a reproduzir - sem as imagens (que podem/devem ser vistas no blogue supracitado).

SOL = Jornalismo Visceral? Abril 5, 2008 por bluewater68

«Hoje, após ter gasto 2,5€ no SOL, fiquei com a sensação de ter adquirido gato por lebre. Sobretudo porque considero que os jornais semanários costumam ser sinónimo de excelência. É esse o motivo que também me leva a adquirir o jornal Expresso. Se procurasse o sensacionalismo ou a obscenidade, teria outros títulos de jornais à disposição. Mas não é o caso. Repito, procuro jornalismo de qualidade, objectividade e isenção.

A imagem seguinte é relativa à capa da edição impressa do jornal SOL, exposta a todos os que passassem em muitos pontos de venda por esse Portugal fora.

[Imagem 1 – Capa do Sol]

Timor: as fotos do horror

O CORPO do major Alfredo Reinado, no local onde foi abatido pelas forças afectas ao Presidente Ramos-Horta. Esta foto faz parte de um lote de imagens que o SOL divulga hoje em primeira mão. Em próxima semana publicaremos uma extensa reportagem da nossa enviada Felícia Cabrita, que falou com o Presidente timorense quando este ainda estava hospitalizado em Darwin, e recolheu uma série de documentos que ajudam a explicar o que sucedeu em Díli.

Começo por falar desta lamentável foto do falecido major Alfredo Reinado, que foi colocada em primeira página, logo por baixo da foto do senhor Presidente da República.

Em todos os acontecimentos violentos, deverão estar associadas imagens violentas. Que ninguém tenha dúvidas a esse respeito. Quando eu oiço falar em acidentes brutais por essas estradas portuguesas, penso sempre nos bombeiros ou nos elementos do INEM, e interrogo-mo se conseguem dormir, após terem visto uma verdadeira carnificina nesse mesmo dia. O espectador que numa notícia vê as imagens de um carro completamente desfeito terá alguma dificuldade em imaginar o estado em que ficou o corpo do condutor? É preciso mostrar um corpo desfeito para que o espectador perceba o que aconteceu? Num desastre, existe sempre a preocupação de esconder a retirada dos corpos de dentro das viaturas. E mesmo que as objectivas captem algo, existe um ‘código de honra’ ou deontológico que impede a publicação de imagens de cadáveres, inteiros ou desfeitos. Nem que seja por absoluto respeito ao ser humano que acabou de falecer.

É preciso mostrar um pedaço de um braço, caído no chão de um mercado de Bagdad, para se perceber que o atentado suicida foi violento? A notícia sobre o atentado precisa de mostrar essa imagem? Dizer que 100 iraquianos morreram num ataque suicida tem menos impacto que mostrar uma imagem de um corpo cortado pela cintura? O espectador fica mais elucidado se vir essa imagem?

A 19 de Abril de 2007, houve um atentado no mercado de Sadriya, em Bagdad. Desse atentado, resultaram 140 mortos e mais de 150 feridos. Falei dele no texto “O que têm Atocha e Sadriya em comum?”. E já nessa altura, tinha mencionado que o SOL tinha sido infeliz na escolha das imagens a exibir sobre o acontecimento. Transcrevo «três fotografias que o SOL publicou na sua página web eram perfeitamente dispensáveis face à violência que apresentavam. Julgo não ser necessário mostrar corpos carbonizados ou decepados para que a notícia tenha mais impacto

A RTP, quando divulgou as imagens do ataque a Ramos-Horta, teve o cuidado, como é habitual, de esconder as partes que mostravam a violência do acontecimento. Vimos o corpo do major Alfredo Reinado no chão, mas não vimos o seu rosto. Tínhamos de ver para confirmar que era ele que ali estava caído? Em que termos, vem esta imagem, publicada em primeira página, contribuir para ajudar a explicar o que aconteceu em Díli ou para a objectividade da notícia? Eu preciso saber que a bala que o matou, entrou pelo olho esquerdo e não pelo direito? Faz sentido mostrar esta imagem a adultos e crianças, devido à publicação em primeira página de um semanário de referência nacional?

Pensava que a exposição do cadáver do Sadam tinha servido de aprendizagem para os media portugueses. O SOL deve ter esquecido esse triste exemplo.

O major Alfredo Reinado pode ter atentado contra a vida de Ramos-Horta, mas não merecia um destaque escabroso e pouco dignificante à sua memória por parte de um semanário onde se espera a prática de jornalismo de excelência.

E se a primeira página desta edição do SOL já era um exemplo de sensacionalismo reles ou violência gratuita, o pior ainda estava para ser mostrado na pág. 19 da mesma edição. As 3 imagens seguintes constituem o conteúdo dessa página.

[Imagem 2]

[Imagem 3]

[Imagem 4]

Horror em Timor

OS INCIDENTES em Díli, de que resultou a morte do major rebelde Alfredo Reinado e ferimentos graves no Presidente Ramos-Horta, proporcionaram cenas de horror, das quais o SOL revela algumas fotos. Houve o cuidado de não publicar imagens – designadamente da autópsia – que poderiam ferir gravemente a sensibilidades dos leitores. A enviada do SOL, Felícia Cabrita, falou com Ramos-Horta e com testemunhas dos acontecimentos, cuja verdadeira versão é ainda desconhecida – e será objecto de extensa reportagem a publicar em próxima edição.

Desculpe? Isto parece um pesadelo e eu ainda me estou a beliscar para ter a certeza de ter lido com atenção. Mas esta edição do SOL é relativa ao dia 1 de Abril, Dia das Mentiras?

Designadamente da autópsia?

Mas alguma vez se podia equacionar a publicação de imagens de uma autópsia? Só o facto de se mencionar essa questão já é ridículo e não será certamente para ser visto com seriedade. Mas tudo é possível.

Houve o cuidado de não publicar imagens que poderiam ferir gravemente a sensibilidades dos leitores?

Perdão? Eu começo por falar da imagem publicada na primeira página. Já chegámos ao ponto em que imagens desse tipo não ferem gravemente a sensibilidade de quem as vê? É normal depararmo-nos na comunicação social com imagens de cadáveres com a cabeça desfigurada em consequência de um tiro num olho? A sensibilidade a que o SOL se refere é relativa a uma pessoa que executa autópsias diariamente?

E em relação à imagem de Leopoldino Mendonça Exposto? Eu não sei se a imagem publicada neste blogue tem a definição suficiente para se entender o que está em causa, mas garanto que na edição impressa todo o detalhe é bem evidente. Pela imagem, pode-se observar que a cabeça desse senhor ficou assente sobre a sua própria massa encefálica, ou por outras palavras, que os seus miolos se encontram esparramados pelo chão. Será lógico imaginar que alguém lhe enfiou uma arma na boca e que disparou a essa distância? É para fazer este tipo de suposições que o SOL publicou estas imagens? Esta imagem não pode ferir gravemente a sensibilidade dos leitores?

E a imagem do corpo do major Alfredo Reinado na mesa de autópsia? Contribui de alguma forma para a objectividade da notícia? Repito, é assim que se demonstra respeito por um ser humano que acabou de falecer?

São imagens de uma violência indescritível, completamente desnecessárias para a notícia em causa, e sem sombra de dúvida, ferem gravemente a sensibilidade dos leitores.

Pergunto ao Director do SOL, José António Saraiva, se é esta a linha de jornalismo que pretende seguir para um semanário ao qual se associa a qualidade, objectividade e isenção? É assim que pretende ultrapassar o Expresso nas vendas? Se é este o caminho a seguir, até pode ser que consiga aumentar as vendas, mas posso-lhe dizer que este leitor assíduo do SOL nunca mais irá desperdiçar 2,5€.

De facto a minha área não é o jornalismo. Por isso, não sei qual é o termo da gíria da comunicação social para designar este tipo de jornalismo. Na minha versão pessoal, chamo-lhe Jornalismo Visceral ou Jornalismo de Sarjeta, mas aceito outras designações.

Nesta edição ficou anunciado que a repórter Felícia Cabrita iria realizar uma extensa reportagem em Timor sobre os acontecimentos que envolveram o atentado a Ramos-Horta. Espero que seja um artigo que apresente a esperada qualidade, objectividade e isenção, ao nível do que tem sido publicado no SOL. Sobretudo, espero que o SOL não volte a praticar este tipo de jornalismo. Ficaria bastante desapontado se tal acontecesse.

Este é um texto publicado por um leitor que confessa ter visto imagens que feriram gravemente a sua sensibilidade. Só gostaria de saber qual é a expectativa que o Directo do SOL tem a respeito da sensibilidade dos leitores deste semanário.

Uma nota final para falar de um exemplo, entre muitos outros, que se poderiam enquadrar em Jornalismo Visceral. Se o SOL já existisse em 1997, enviaria um repórter a França, à procura das fotos da princesa ainda dentro do Mercedes? Não? Porquê!?

Publicado em Guerra, Jornal, SOL» (por bluewater68 in SOL = Jornalismo Visceral?, 5 de Abril de 2008, original do blogue Ma Ke Jeto, Mosso)

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