Entrevista a Luis Carrilho, comandante da Polícia da ONU em Timor-Leste
>> 20090512
Imagem: Capa da edição impressa de O Emigrante / Mundo Português
Entrevista: Português Luís Carrilho comanda Polícia da ONU em Timor-Leste
"A POLÍCIA DAS NAÇÕES UNIDAS DESEMPENHA EM TIMOR UM PAPEL FUNDAMENTAL"
"Nos últimos três, Luis Carrilho anos chefiou o serviço de segurança da Presidência da República. Uma função que afirma tê-lo honrado muito e pela qual foi condecorado por Cavaco Silva, que destacou a “forma muito digna e altamente prestigiante como exerceu” o cargo. Em Fevereiro deste ano, o Intendente Luís Carrilho chegou a Timor-Leste para assumiras funções de Comandante da Polícia da Organização das Nações Unidas (ONU) e chefiaram contingente de cerca de 1600 polícias de 42 nacionalidades diferentes. Um trabalho que sabe ser de “grande responsabilidade” mas que considera “muito aliciante” porque, como destacou a O Emigrante/Mundo Português, permite “contribuir, em termos de segurança, para um país que nos está a todos no coração”.
Aos 42 anos, regressou a um país onde esteve entre 2000 e 2001, como primeiro director da Academia de Polícia de Timor e adjunto e chefe de gabinete do Comandante da Polícia Civil da ONU. Luís Carrilho, é um dos oficiais da Polícia de Segurança Pública (PSP) com mais missões internacionais, tendo estado em Nova Iorque, como oficial de ligação na sede da ONU, e em Zagreb e Sarajevo, como instrutor e comandante do Centro de Formação da Policia Civil das Nações Unidas.
Nesta entrevista a O Emigrante/Mundo Português, o Intendente Luis Carrilho sublinha que assumiu o cargo de Comandante da Polícia das Nações Unidas em Timor-Leste com “grande motivação” e “espírito de entrega”, para cumprir “o melhor possível” a sua missão num país que traz no coração…
MP: Esteve nos últimos anos a chefiar a equipa de segurança do Presidente da República, Cavaco Silva, e em Fevereiro assumiu funções bastante diferentes das anteriores…
LC: As funções que antes desempenhei honraram-me muito, gostei muito de trabalhar em Belém. Tal como, agora, o espírito de missão é o mesmo: grande motivação, grande espírito de entrega para tentar cumprir a missão o melhor possível. Mas são funções diferentes.
O que o levou a aceitar este cargo?
A candidatura foi de Portugal, por isso a aceitei. Mas todos nós temos Timor no coração e eu já cá tinha estado dois anos. O «chamamento», o espírito que se vive nas missões das Nações Unidas, o multiculturalismo, a experiência, a possibilidade de poder contribuir para o desenvolvimento deste país, para que a situação melhore, tudo isto é extremamente motivador e aliciante.
O facto de já ter estado em Timor, durante o período de administração do território pelas Nações Unidas, pesou na sua decisão de voltar?
A experiência em 2000 foi também extremamente aliciante. Cheguei em Janeiro e Timor era-me totalmente desconhecido. Mas é uma terra muito bonita e já na altura a missão das Nações Unidas fez, na minha opinião, um excelente trabalho.
Portanto, era uma missão aliciante. Timor-Leste é um país novo, vai agora completar sete anos de independência. Na altura, tudo era novo, as estruturas que existiam eram todas novas, porque houve uma ruptura forte entre 1999 e 2000 e todas as estruturas tiveram que ser criadas.
A polícia, sendo a parte mais visível do Estado em qualquer sociedade, não é excepção em Timor. Se a polícia tiver uma boa formação mas, sobretudo, uma boa atitude para com a população, mais facilmente a sociedade consegue encontrar os seus próprios mecanismos e mais seguras as pessoas se sentem.
Foi com esse espírito que cheguei em 2000 e com esse espírito vim agora em 2009. As missões são diferentes, têm mandatos diferentes. O país está diferente, está mais evoluído, tem uma Constituição aprovada, tem um Código Penal que foi recentemente aprovado, tem as suas estruturas a funcionar e tem a sua polícia, já com cerca de dois mil elementos e que em 2000 não existia. Foi tudo criado do «zero» e neste momento, o mandato é diferente. O Estado de Timor tem os seus órgãos de soberania a funcionar e as Nações Unidas têm um mandato claro, nomeadamente a Polícia das Nações Unidas.
Quais são as prioridades da missão policial das Nações Unidas?
Assegurar através da sua presença, a restauração ou manutenção da ordem pública, através do apoio à Polícia Nacional de Timor-Leste - incluindo desempenhar funções interinas a nível de ordem e segurança pública - até que a polícia de Timor esteja completamente reconstituída. Nomeadamente, através de formação, do desenvolvimento institucional, do desenvolvimento das estruturas da Polícia Nacional de Timor-Leste, para que esteja perfeitamente reconstituída. Como sabe, em 2006 a polícia desmoronou-se. Neste momento já estamos na chamada “fase de reassunção das responsabilidades”.
Essa fase tem um período definido?
A Polícia das Nações Unidas tem um mandato que é aprovado pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas. Foi estendido em Fevereiro, por mais um ano. Portanto, tem mandato até Fevereiro de 2010.
Neste momento, existem as chamadas “equipas conjuntas de avaliação” que têm ido aos distritos, têm feito uma avaliação para determinar se estão preparados em termos administrativos, operacionais e éticos, para que a Polícia Nacional de Timor-Leste possa reassumir a responsabilidade primária. Já foram conduzidas avaliações em seis distritos - Oecussi, Ainaro, Aileu, Lautém, Manatuto e Manufahi. Desses, saíram relatórios e entendeu-se que Lautém estaria preparado e Manatuto também, mediante alguns melhoramentos logísticos.
Depois de avaliados há uma equipa técnica conjunta, formada por autoridades timorenses e das Nações Unidas, que decide se os distritos estão prontos ou não. Mas o importante agora é que a Polícia Nacional de Timor-Leste preencha os requisitos, não estamos preocupados em termos de tempo, mas sim em termos de critérios.
Pensa que um ano será suficiente para que a polícia de Timor fique autónoma, tanto em termos de logística como de formação?
Essa é uma resposta que eu não lhe posso dar, e ninguém pode dar. Estamos aqui todos – Polícia das Nações Unidas e Polícia de Timor-Leste - a trabalhar para que se consiga fazer o melhor possível e a atitude e a cooperação são muito positivas. Este processo de reassunção das responsabilidades é faseado, é gradual, mas está a correr bem. Dentro em breve a Polícia Nacional de Timor-Leste vai reassumir as responsabilidades nestes distritos que referi.
A formação é um dos objectivos prioritários da missão da Polícia das Nações Unidas em Timor?
A formação também é importante. Temos muitos instrutores nos centros de formação da polícia, que trabalham conjuntamente com os polícias timorenses, no sentido de assegurar que a formação seja a melhor possível. Não apenas a inicial, mas também formação específica, nomeadamente a nível de segurança pessoal, de investigação criminal, de policiamento comunitário, de detecção e desactivação de engenhos explosivos. Enfim, são áreas técnicas mais específicas, que estamos a desenvolver no centro de formação da polícia. Temos também outros programas de formação no terreno, que são dados enquanto os polícias estão a desenvolver o seu trabalho.
Quantos polícias portugueses integram a missão da Polícia da Nações Unidas em Timor? E quantos são portugueses?
A missão das Nações Unidas integra cerca de 1600 elementos. Tem quatro unidades constituídas, uma das quais da Guarda Nacional Republicana (GNR), com cerca de 140 elementos. No outro grupo de polícias individualmente destacados, são cerca de 48 elementos da PSP e sete da GNR, mais um ou menos um, consoante a rotação de partida e chegada. Mas, portugueses, são cerca de 200.
É uma força com elementos de muitas nacionalidades. Como se gere pessoas de países tão diversos?
Onde muitos vêem uma desvantagem, eu vejo uma vantagem. Conseguir que polícias de 42 países trabalhem todos juntos, numa país diferente, onde todos se conseguem entender e transmitir o que cada um tem de melhor para a população timorense, mas sobretudo, para a polícia timorense, é uma grande vantagem. Poder ver e poder aprender com 42 culturas diferentes, 42 formas de ser diferentes. Mas deixe que lhe diga que nós polícias somos iguais em praticamente todo o mundo. A família policial tem por vezes padrões que são extremamente parecidos - na União Europeia, hoje em dia, temos modelos de cooperação policial que são permanentes. Aqui, são 42 países com polícias destacados, uns contribuem com mais, outros com aquilo que podem, mas ao fim e ao cabo, o multiculturalismo, a diversidade de experiências profissionais, fazem com que seja uma grande vantagem para a polícia timorense.
Temos línguas de trabalho, temos normas de procedimento par podermos padronizar a forma como se trabalha. A missão neste momento é operacional, no futuro provavelmente passará a ter mais uma missão de polícia de monitorização. Mas tanto numa missão como noutra, é uma grande vantagem para a polícia timorense, ter polícias de 42 países. A nossa vida é feita de experiências e os laços que se estabelecem aqui ficam para sempre, vão fazer com que Timor-Leste tenha uma polícia credível.
Já tinha estado em Timor, mas há oito anos atrás. Desta vez, que preocupações levava?
Uma grande esperança. As preocupações são tentar fazer o melhor, fazer com que o mandato das Nações Unidas, nomeadamente no que diz respeito à parte da polícia, seja cumprido da forma mais eficaz possível. E, sobretudo, que no futuro, quando a Polícia das Nações Unidas sair de Timor, deixe ficar um trabalho que seja sustentável e que faça com que a Polícia Nacional de Timor-Leste consiga fazer o melhor pelo seu país.
Os seus objectivos pessoais são comuns às prioridades da polícia das Nações Unidas, ou o facto de ser português e de Portugal e Timor terem uma ligação histórica e afectiva gerou maiores expectativas da sua parte?
Eu sou polícia, tanto em Portugal como aqui. Os objectivos pessoais por vezes ficam um pouco postos de lado. Agora, as funções de police commissioner numa missão das Nações Unidas, são naturalmente funções de grande responsabilidade, mas muito aliciantes.
Porque temos a capacidade de poder contribuir, em termos de segurança, para um país que nos está a todos no coração. Depois de 1975 Timor tem estado sempre na agenda, foi sempre um tema que acompanhamos. A polícia desempenha aqui um papel fundamental. Em termos pessoais, fazer parte desse processo é extremamente aliciante e motivador.
Como foi a sua «readaptação» a Timor?
Foi muito fácil, fui muito bem recebido. Timor é uma terra fantástica, tenho aqui muitos amigos, reencontrei amigos que «deixei» em 2001, muita gente, nos mais diversos sectores da sociedade e sobretudo na polícia.
O actual Comandante Geral da Polícia de Timor, Longuinhos Monteiro, era meu velho conhecido, assim como todos os indivíduos que são inspectores e estão neste momento em posições de responsabilidades. Todos me receberam de braços abertos e foi também com esse espírito que vim para cá: contribuir, com o pouco ou muito que sei, para poder desenvolver e credibilizar a polícia timorense.
Como é a relação com a população?
Nós portugueses que aqui estamos, sentimos um grande carinho por parte do povo timorense.
Do ponto de vista mais institucional, as minhas funções não me levam a grande contacto com o povo timorense. Levam-me sim, a um grande contacto com alguns sectores da sociedade, nomeadamente com a polícia, mas tenho recebido demonstrações de grande afabilidade, de grande aceitação que são motivadoras. Fazem com que não me sinta num país estrangeiro, e sim num país amigo. Isso é extremamente aliciante no dia-a-dia de trabalho.
Vê Timor sem a presença das forças de segurança das Nações Unidas, num futuro próximo?
Timor-Leste é um país soberano, tem a sua Constituição, os seus órgãos de soberania que funcionam perfeitamente.
Enquanto Comandante da polícia eu estou vinculado pelas leis do Parlamento, tal como os polícias que aqui estão, na actuação da polícia. Timor-Leste, do ponto de vista das estruturas e da polícia, é um país perfeitamente estabilizado. E que funciona. Eu acredito em Timor-Leste e penso que todos os que cá estão acreditam em Timor.
Posso dizer-lhe que a Policia das Nações Unidas tudo fará para que a Polícia de Timor-Leste seja completamente credível.
A missão da Polícia das Nações Unidas em Timor tem a duração de um ano. Na hipótese de vir a ser prolongada, está disponível para ficar mais tempo à frente do comando dessa missão?
No meu contrato está escrito «pelo menos, um ano». Mas não faço futurologia, nunca sabemos o dia de amanhã, não sei a minha situação pessoal, não sabemos como vai evoluir aqui a situação.
Agora, gosto muito de Timor, tenho sido muito bem tratado. E a missão é extremamente aliciante, nunca virarei as costas a este projecto. Quero olhar para trás e sentir orgulho de poder ter contribuído, juntamente com os meus colegas internacionais e timorenses, para o desenvolvimento da polícia timorense, e não ao contrário. Ponderarei, mas só com a situação concreta é que poderei decidir.
Como é o seu dia-a-dia de trabalho?
Começa às seis da manhã, quando me levanto. Tenho dois escritórios, um num local chamado «Obrigado Barak» («Muito obrigado», em tetum), que é o compound das Nações Unidas, e outro ao lado do gabinete do Comandante Geral da Polícia Nacional de Timor-Leste.
Passo primeiro pelo comando geral da polícia de Timor, visito o Centro de Operações para saber se em termos operacionais está tudo tranquilo e passo pelo meu gabinete.
Venho depois para o gabinete no compound e tenho uma reunião onde estão presentes todos os sectores operacionais das Nações Unidas. Sigo para outra reunião, só com staff sénior, e a partir daí, o trabalho decorre consoante o dia: se tenho reuniões ou visitas a fazer - já tenho efectuado visitas, conjuntamente com o Comandante da Polícia Nacional de Timor, a alguns distritos - ou se tenho trabalho a desenvolver nas mais diversas partes, em termos de concepção, da polícia das Nações Unidas ou da polícia timorense.
Ao fim do dia, quando tenho possibilidade, e são raras as vezes, vou correr junto à Marginal, um sítio fantástico em Díli. É o momento em que relaxo um pouco, o exercício físico faz sempre bem.
O que faz nos seus tempos livres?
Nos poucos tempos livres vou visitar algum distrito, vou à praia - Timor tem praias fabulosas mesmo perto de Díli - vou almoçar ou jantar com amigos, e leio, o que é uma actividade muito relaxante.
Estas actividades e o facto de ter o tempo muito ocupado, ajudam a colmatar a distância da família?
Saudade, a tal palavra tipicamente portuguesa, tenho-a, todos sentimos. Tenho a minha mulher e as minhas filhas em Portugal e sinto saudades delas. Mas quando ingressei na polícia tinha 19 anos e desde então tenho estado sempre de um lado para o outro. Quem escolhe a missão de ser polícia sabe para aquilo que vai. Custa, mas é um sacrifício que tem as suas coisas boas. Penso que o equilíbrio entre as coisas boas e as más, compensa. Felizmente, tenho um grande apoio da minha família." (Ana Grácio Pinto | O Emigrante / Mundo Português)
Aos 42 anos, regressou a um país onde esteve entre 2000 e 2001, como primeiro director da Academia de Polícia de Timor e adjunto e chefe de gabinete do Comandante da Polícia Civil da ONU. Luís Carrilho, é um dos oficiais da Polícia de Segurança Pública (PSP) com mais missões internacionais, tendo estado em Nova Iorque, como oficial de ligação na sede da ONU, e em Zagreb e Sarajevo, como instrutor e comandante do Centro de Formação da Policia Civil das Nações Unidas.
Nesta entrevista a O Emigrante/Mundo Português, o Intendente Luis Carrilho sublinha que assumiu o cargo de Comandante da Polícia das Nações Unidas em Timor-Leste com “grande motivação” e “espírito de entrega”, para cumprir “o melhor possível” a sua missão num país que traz no coração…
MP: Esteve nos últimos anos a chefiar a equipa de segurança do Presidente da República, Cavaco Silva, e em Fevereiro assumiu funções bastante diferentes das anteriores…
LC: As funções que antes desempenhei honraram-me muito, gostei muito de trabalhar em Belém. Tal como, agora, o espírito de missão é o mesmo: grande motivação, grande espírito de entrega para tentar cumprir a missão o melhor possível. Mas são funções diferentes.
O que o levou a aceitar este cargo?
A candidatura foi de Portugal, por isso a aceitei. Mas todos nós temos Timor no coração e eu já cá tinha estado dois anos. O «chamamento», o espírito que se vive nas missões das Nações Unidas, o multiculturalismo, a experiência, a possibilidade de poder contribuir para o desenvolvimento deste país, para que a situação melhore, tudo isto é extremamente motivador e aliciante.
O facto de já ter estado em Timor, durante o período de administração do território pelas Nações Unidas, pesou na sua decisão de voltar?
A experiência em 2000 foi também extremamente aliciante. Cheguei em Janeiro e Timor era-me totalmente desconhecido. Mas é uma terra muito bonita e já na altura a missão das Nações Unidas fez, na minha opinião, um excelente trabalho.
Portanto, era uma missão aliciante. Timor-Leste é um país novo, vai agora completar sete anos de independência. Na altura, tudo era novo, as estruturas que existiam eram todas novas, porque houve uma ruptura forte entre 1999 e 2000 e todas as estruturas tiveram que ser criadas.
A polícia, sendo a parte mais visível do Estado em qualquer sociedade, não é excepção em Timor. Se a polícia tiver uma boa formação mas, sobretudo, uma boa atitude para com a população, mais facilmente a sociedade consegue encontrar os seus próprios mecanismos e mais seguras as pessoas se sentem.
Foi com esse espírito que cheguei em 2000 e com esse espírito vim agora em 2009. As missões são diferentes, têm mandatos diferentes. O país está diferente, está mais evoluído, tem uma Constituição aprovada, tem um Código Penal que foi recentemente aprovado, tem as suas estruturas a funcionar e tem a sua polícia, já com cerca de dois mil elementos e que em 2000 não existia. Foi tudo criado do «zero» e neste momento, o mandato é diferente. O Estado de Timor tem os seus órgãos de soberania a funcionar e as Nações Unidas têm um mandato claro, nomeadamente a Polícia das Nações Unidas.
Quais são as prioridades da missão policial das Nações Unidas?
Assegurar através da sua presença, a restauração ou manutenção da ordem pública, através do apoio à Polícia Nacional de Timor-Leste - incluindo desempenhar funções interinas a nível de ordem e segurança pública - até que a polícia de Timor esteja completamente reconstituída. Nomeadamente, através de formação, do desenvolvimento institucional, do desenvolvimento das estruturas da Polícia Nacional de Timor-Leste, para que esteja perfeitamente reconstituída. Como sabe, em 2006 a polícia desmoronou-se. Neste momento já estamos na chamada “fase de reassunção das responsabilidades”.
Essa fase tem um período definido?
A Polícia das Nações Unidas tem um mandato que é aprovado pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas. Foi estendido em Fevereiro, por mais um ano. Portanto, tem mandato até Fevereiro de 2010.
Neste momento, existem as chamadas “equipas conjuntas de avaliação” que têm ido aos distritos, têm feito uma avaliação para determinar se estão preparados em termos administrativos, operacionais e éticos, para que a Polícia Nacional de Timor-Leste possa reassumir a responsabilidade primária. Já foram conduzidas avaliações em seis distritos - Oecussi, Ainaro, Aileu, Lautém, Manatuto e Manufahi. Desses, saíram relatórios e entendeu-se que Lautém estaria preparado e Manatuto também, mediante alguns melhoramentos logísticos.
Depois de avaliados há uma equipa técnica conjunta, formada por autoridades timorenses e das Nações Unidas, que decide se os distritos estão prontos ou não. Mas o importante agora é que a Polícia Nacional de Timor-Leste preencha os requisitos, não estamos preocupados em termos de tempo, mas sim em termos de critérios.
Pensa que um ano será suficiente para que a polícia de Timor fique autónoma, tanto em termos de logística como de formação?
Essa é uma resposta que eu não lhe posso dar, e ninguém pode dar. Estamos aqui todos – Polícia das Nações Unidas e Polícia de Timor-Leste - a trabalhar para que se consiga fazer o melhor possível e a atitude e a cooperação são muito positivas. Este processo de reassunção das responsabilidades é faseado, é gradual, mas está a correr bem. Dentro em breve a Polícia Nacional de Timor-Leste vai reassumir as responsabilidades nestes distritos que referi.
A formação é um dos objectivos prioritários da missão da Polícia das Nações Unidas em Timor?
A formação também é importante. Temos muitos instrutores nos centros de formação da polícia, que trabalham conjuntamente com os polícias timorenses, no sentido de assegurar que a formação seja a melhor possível. Não apenas a inicial, mas também formação específica, nomeadamente a nível de segurança pessoal, de investigação criminal, de policiamento comunitário, de detecção e desactivação de engenhos explosivos. Enfim, são áreas técnicas mais específicas, que estamos a desenvolver no centro de formação da polícia. Temos também outros programas de formação no terreno, que são dados enquanto os polícias estão a desenvolver o seu trabalho.
Quantos polícias portugueses integram a missão da Polícia da Nações Unidas em Timor? E quantos são portugueses?
A missão das Nações Unidas integra cerca de 1600 elementos. Tem quatro unidades constituídas, uma das quais da Guarda Nacional Republicana (GNR), com cerca de 140 elementos. No outro grupo de polícias individualmente destacados, são cerca de 48 elementos da PSP e sete da GNR, mais um ou menos um, consoante a rotação de partida e chegada. Mas, portugueses, são cerca de 200.
É uma força com elementos de muitas nacionalidades. Como se gere pessoas de países tão diversos?
Onde muitos vêem uma desvantagem, eu vejo uma vantagem. Conseguir que polícias de 42 países trabalhem todos juntos, numa país diferente, onde todos se conseguem entender e transmitir o que cada um tem de melhor para a população timorense, mas sobretudo, para a polícia timorense, é uma grande vantagem. Poder ver e poder aprender com 42 culturas diferentes, 42 formas de ser diferentes. Mas deixe que lhe diga que nós polícias somos iguais em praticamente todo o mundo. A família policial tem por vezes padrões que são extremamente parecidos - na União Europeia, hoje em dia, temos modelos de cooperação policial que são permanentes. Aqui, são 42 países com polícias destacados, uns contribuem com mais, outros com aquilo que podem, mas ao fim e ao cabo, o multiculturalismo, a diversidade de experiências profissionais, fazem com que seja uma grande vantagem para a polícia timorense.
Temos línguas de trabalho, temos normas de procedimento par podermos padronizar a forma como se trabalha. A missão neste momento é operacional, no futuro provavelmente passará a ter mais uma missão de polícia de monitorização. Mas tanto numa missão como noutra, é uma grande vantagem para a polícia timorense, ter polícias de 42 países. A nossa vida é feita de experiências e os laços que se estabelecem aqui ficam para sempre, vão fazer com que Timor-Leste tenha uma polícia credível.
Já tinha estado em Timor, mas há oito anos atrás. Desta vez, que preocupações levava?
Uma grande esperança. As preocupações são tentar fazer o melhor, fazer com que o mandato das Nações Unidas, nomeadamente no que diz respeito à parte da polícia, seja cumprido da forma mais eficaz possível. E, sobretudo, que no futuro, quando a Polícia das Nações Unidas sair de Timor, deixe ficar um trabalho que seja sustentável e que faça com que a Polícia Nacional de Timor-Leste consiga fazer o melhor pelo seu país.
Os seus objectivos pessoais são comuns às prioridades da polícia das Nações Unidas, ou o facto de ser português e de Portugal e Timor terem uma ligação histórica e afectiva gerou maiores expectativas da sua parte?
Eu sou polícia, tanto em Portugal como aqui. Os objectivos pessoais por vezes ficam um pouco postos de lado. Agora, as funções de police commissioner numa missão das Nações Unidas, são naturalmente funções de grande responsabilidade, mas muito aliciantes.
Porque temos a capacidade de poder contribuir, em termos de segurança, para um país que nos está a todos no coração. Depois de 1975 Timor tem estado sempre na agenda, foi sempre um tema que acompanhamos. A polícia desempenha aqui um papel fundamental. Em termos pessoais, fazer parte desse processo é extremamente aliciante e motivador.
Como foi a sua «readaptação» a Timor?
Foi muito fácil, fui muito bem recebido. Timor é uma terra fantástica, tenho aqui muitos amigos, reencontrei amigos que «deixei» em 2001, muita gente, nos mais diversos sectores da sociedade e sobretudo na polícia.
O actual Comandante Geral da Polícia de Timor, Longuinhos Monteiro, era meu velho conhecido, assim como todos os indivíduos que são inspectores e estão neste momento em posições de responsabilidades. Todos me receberam de braços abertos e foi também com esse espírito que vim para cá: contribuir, com o pouco ou muito que sei, para poder desenvolver e credibilizar a polícia timorense.
Como é a relação com a população?
Nós portugueses que aqui estamos, sentimos um grande carinho por parte do povo timorense.
Do ponto de vista mais institucional, as minhas funções não me levam a grande contacto com o povo timorense. Levam-me sim, a um grande contacto com alguns sectores da sociedade, nomeadamente com a polícia, mas tenho recebido demonstrações de grande afabilidade, de grande aceitação que são motivadoras. Fazem com que não me sinta num país estrangeiro, e sim num país amigo. Isso é extremamente aliciante no dia-a-dia de trabalho.
Vê Timor sem a presença das forças de segurança das Nações Unidas, num futuro próximo?
Timor-Leste é um país soberano, tem a sua Constituição, os seus órgãos de soberania que funcionam perfeitamente.
Enquanto Comandante da polícia eu estou vinculado pelas leis do Parlamento, tal como os polícias que aqui estão, na actuação da polícia. Timor-Leste, do ponto de vista das estruturas e da polícia, é um país perfeitamente estabilizado. E que funciona. Eu acredito em Timor-Leste e penso que todos os que cá estão acreditam em Timor.
Posso dizer-lhe que a Policia das Nações Unidas tudo fará para que a Polícia de Timor-Leste seja completamente credível.
A missão da Polícia das Nações Unidas em Timor tem a duração de um ano. Na hipótese de vir a ser prolongada, está disponível para ficar mais tempo à frente do comando dessa missão?
No meu contrato está escrito «pelo menos, um ano». Mas não faço futurologia, nunca sabemos o dia de amanhã, não sei a minha situação pessoal, não sabemos como vai evoluir aqui a situação.
Agora, gosto muito de Timor, tenho sido muito bem tratado. E a missão é extremamente aliciante, nunca virarei as costas a este projecto. Quero olhar para trás e sentir orgulho de poder ter contribuído, juntamente com os meus colegas internacionais e timorenses, para o desenvolvimento da polícia timorense, e não ao contrário. Ponderarei, mas só com a situação concreta é que poderei decidir.
O DIA-A-DIA, OS TEMPOS LVRES E A SAUDADE DA FAMÍLIA
"“Quem escolhe ser polícia sabe para aquilo que vai”
"“Quem escolhe ser polícia sabe para aquilo que vai”
Como é o seu dia-a-dia de trabalho?
Começa às seis da manhã, quando me levanto. Tenho dois escritórios, um num local chamado «Obrigado Barak» («Muito obrigado», em tetum), que é o compound das Nações Unidas, e outro ao lado do gabinete do Comandante Geral da Polícia Nacional de Timor-Leste.
Passo primeiro pelo comando geral da polícia de Timor, visito o Centro de Operações para saber se em termos operacionais está tudo tranquilo e passo pelo meu gabinete.
Venho depois para o gabinete no compound e tenho uma reunião onde estão presentes todos os sectores operacionais das Nações Unidas. Sigo para outra reunião, só com staff sénior, e a partir daí, o trabalho decorre consoante o dia: se tenho reuniões ou visitas a fazer - já tenho efectuado visitas, conjuntamente com o Comandante da Polícia Nacional de Timor, a alguns distritos - ou se tenho trabalho a desenvolver nas mais diversas partes, em termos de concepção, da polícia das Nações Unidas ou da polícia timorense.
Ao fim do dia, quando tenho possibilidade, e são raras as vezes, vou correr junto à Marginal, um sítio fantástico em Díli. É o momento em que relaxo um pouco, o exercício físico faz sempre bem.
O que faz nos seus tempos livres?
Nos poucos tempos livres vou visitar algum distrito, vou à praia - Timor tem praias fabulosas mesmo perto de Díli - vou almoçar ou jantar com amigos, e leio, o que é uma actividade muito relaxante.
Estas actividades e o facto de ter o tempo muito ocupado, ajudam a colmatar a distância da família?
Saudade, a tal palavra tipicamente portuguesa, tenho-a, todos sentimos. Tenho a minha mulher e as minhas filhas em Portugal e sinto saudades delas. Mas quando ingressei na polícia tinha 19 anos e desde então tenho estado sempre de um lado para o outro. Quem escolhe a missão de ser polícia sabe para aquilo que vai. Custa, mas é um sacrifício que tem as suas coisas boas. Penso que o equilíbrio entre as coisas boas e as más, compensa. Felizmente, tenho um grande apoio da minha família." (Ana Grácio Pinto | O Emigrante / Mundo Português)
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