A música antes da política ou em pé de igualdade?
Como
cidadão, evidentemente que sou político, isso é inerente à própria condição da
pessoa. Mas acontece que sou músico, a minha vida é preenchida de música e para
a música.
Aceitaria acumular a música ao
exercício de um cargo político? Candidatar-se a deputado, por exemplo.
Se for
convidado e perfilhar ideias que defendo, sou capaz de aceitar.
Como observa a actualidade
política timorense em vésperas de eleições?
Logo a
seguir à independência, não houve verdadeiramente eleições para o parlamento,
porque o então representante máximo das Nações Unidas, Sérgio Vieira de Melo,
decidiu, parece que para poupar dinheiro, aproveitar as eleições para a
Assembleia Constituinte e do resultado delas erguer-se a Assembleia da
República. Até certo ponto justificou-se, terá sido confortável, mas também até
certo ponto foi, politicamente, uma decisão errada.
E a seguir, nas presidenciais,
o eleitorado votou Xanana Gusmão…
Certo. Mas
insisto, deviam ter promovido eleições legislativas e não fizeram. Se tivessem
criado essas eleições, deixando os cidadãos elegerem os parlamentares, a
Fretilin (Frente Revolucionária do Timor-Leste Independente) não teria ganho
com maioria absoluta e Mari Alkatiri talvez não fosse chefe do governo. Para a
Constituinte, o povo votou maioritariamente na Fretilin, ainda a pensar no
fantasma da Indonésia. Nada prova que, para as legislativas, o sentido de voto
fosse exactamente o mesmo.
A Fretilin, nas eleições de
2007, foi novamente vencedora.
Ganhou, mas
não com maioria absoluta! Para formar governo andou a tentar fazer coligações,
só que nenhum partido aceitou coligar-se com a Fretilin. Foi quando Xanana
Gusmão criou o CNRT (Conselho Nacional da Reconstrução de Timor), juntou uns
partidos e lá se fez uma maioria parlamentar para que a Fretilin conseguisse
governar.
Têm-se entendido?
Fizeram um
esforço para isso. Mas já todos sabemos que a Fretilin, embora sendo um partido
grande, não tem a força e a influência que alguns supunham, até pela razão de se
ter vindo a fragmentar, dando origem a vários partidos. Por exemplo, grande
parte da juventude, sector da sociedade que maioritariamente apoiava a
Resistência e a Fretilin, foi para o PD (Partido Democrático), dirigido por La
Sama. Sem esquecer que outra significativa dissidência é a Fretilin Mudança,
que não aceita a linha dura imposta por Mari Alkatiri. Fretilin Mudança que se
coligou com Xanana e o CNRT.
Nota algum desgaste nos
partidos ou alguma carência de pedagogia política, por parte de políticos e
cidadãos?
Tentam
exercer pedagogia, mas não é fácil. Veja-se em Portugal e na Europa, que
pedagogia política existe?
O que diz do panorama político
em Timor-Leste a poucos dias das eleições?
Chegados a
este tempo, o panorama mudou bastante. Por exemplo, os partidos que fizeram
parte da chamada maioria parlamentar que tem governado já não possuem tanta
influência no eleitorado. O novo cenário, com forças políticas novas que se
formaram e estão a formar-se, irá agora ter uma palavra decisiva, nestas
eleições que se avizinham.
Qual é a novidade
político-partidária em Timor?
Sem dúvida,
a coligação das formações políticas lideradas pelo antigo presidente Ramos
Horta, pelo PD, dirigido pelo presidente da Assembleia da República, Fernando
La Sama, e pelo PNT (Partido Nacionalista Timorense), de Abílio Araújo. Esta
frente política eleitoral será ainda mais reforçada com outros partido
políticos, como se espera. A Fretilin, a da linha dura, também queria
coligar-se, mas não foi aceite, pois como condição impunha Alkatiri para
primeiro-ministro, no caso de vitória eleitoral. Isso não foi aceite.
Qual a figura indicada por esta
nova coligação para o cargo de primeiro-ministro?
Naturalmente
que Ramos Horta!
Pelo que diz, parece que a
Fretilin, perdeu um pouco da sua imagem de indiscutível, por força da sua
estreita ligação à Resistência.
Sobre isso,
repito o que tenho ouvido a muitas pessoas, inclusivamente a militantes desse
partido: enquanto Mari Alkatiri estiver à frente da Fretilin, esta força não
ganhará a maioria absoluta. No fundo, quem está prejudicando a Fretilin é ele.
No dia em que Alkatiri sair da Fretilin, o partido sairá beneficiado.
Nas eleições de 7 de Julho os
timorenses fora do país continuam a não poder votar?
Sim,
infelizmente. Dizem que é tudo uma questão técnica, segundo o actual ministro
dos Negócios Estrangeiros. Não somos muitos, mas temos direito a fazer ouvir a
nossa vontade através do voto. Se em Portugal, por exemplo, somos mil ou 2 mil,
na Austrália somos 40 mil. No meu entender é falta de eficiência. Espero bem
que não seja intencional esta lacuna inconcebível que se arrasta no tempo e que
os timorenses da diáspora não gostam nada. Não devo dizer que é intencional
esta falha grave. Mas digo que esta morosidade, este horrível atraso, é
imperdoável.
Algumas notícias dão conta de
uma aparente fragilidade no actual governo. A ministra da Justiça anda a contas
com a própria Justiça… Está turvo o ambiente no governo?
Não está
turvo, a situação é clara: quem ganhará as eleições é quem irá governar. Os
tribunais e a Justiça é que condenam os que prevaricam, eu não posso dizer
nada, desconheço pormenores.
O Fundo do petróleo, qual a
situação?
Está
depositado na América, destinado a um fundo de investimento.
Será intocável?
Por 20
anos, sim. Faltam 10.
O povo timorense já sentiu
alguns frutos oriundos da exploração petrolífera?
Já, sim,
felizmente está a sentir. Houve quem, sucessivos governos, pretendesse mexer
nesse Fundo, directa ou indirectamente. O que lá está, pertence ao Estado
timorense. Quando legalmente tiver de ser tocado, deverá ser sempre em favor do
povo, do país.
Como vê o papel da igreja
católica?
A igreja
católica fez o seu papel durante a resistência. Actualmente, faz um esforço por
não se imiscuir na política.
Mas mantém bastante influência
junto das populações?
Sim, mas as
populações também já aprenderam como devem comportar-se perante as eleições e a
política na generalidade. Podem não saber ler nem escrever, mas as pessoas sabem
bem o que querem.
A propósito, ciclicamente
tem-se conhecimento de polémicas sobre a propagação da língua portuguesa em
Timor-Leste, a forma da sua utilização…
A língua
portuguesa é também língua oficial, juntamente com o tétum. Alguns dizem que
com a utilização da língua portuguesa há coisas que não funcionam. Não é bem
assim, e as que não funcionam um dia destes vão funcionar, para tudo há uma
questão de tempo. O que nós não queremos é abdicar do português, nem do tétum,
em favor do inglês ou do bahasa indonésio que nada tem a ver connosco. Certas
personalidades é que queriam impor coisas anti-naturais.
Existem factores que contrariam
a perfeita evolução do ensino da língua portuguesa em Timor-Leste?
Existem,
pois. Desde logo a televisão indonésia, que entra fortemente pelo nosso país.
Evidentemente que há casos de necessidade de falar bahasa indonésio, é um dos
meus materiais de trabalho, como será o de muitas pessoas. As crianças, não. No
entanto, muitas crianças andam falando mais o bahasa e o inglês do que outras
línguas, do que português.
O que diz sobre a aceitação dos
professores portugueses em Timor?
Evidentemente
que são bem aceites, porque os portugueses são sempre bem aceites. Eu sou
timorense e português, tenho os dois passaportes com muito orgulho. Conheço
muito bem e gosto muito dos portugueses, mas de muitos daqueles professores não
gosto da maneira como resolvem viver em Timor-Leste. Isolam-se, vivem num
gueto, somente entre eles, não se misturam com o povo, ficam longe da realidade
autêntica do país onde trabalham. Muito daquele povo timorense fala português e
quer aprender a falar cada vez mais. E essa gente que ensina língua portuguesa
deve também aprender a falar tétum, até porque é uma língua oficial.
As relação institucionais e
afectivas entre Timor-Leste e Portugal permanecem em alta?
São
óptimas. Não esquecemos que o povo português sempre foi muito amigo do povo
timorense.
Sendo um timorense de gema, mas
também um português autêntico, o seu coração divide-se por duas pátrias?
No meu
coração cabe tudo. Os meus dois passaportes viajam sempre comigo. E sou do
maior clube do mundo que é o Benfica!
Metendo música na política. A 30
de Maio, em Pequim, o maestro esteve presente, dirigindo um concerto de
celebração do 10º Aniversário da Restauração da Independência de Timor-Leste.
Como foi?
Momentos
inesquecíveis! Fui convidado pela Embaixada de Timor-Leste em Pequim, através
da nossa embaixadora Vicky Tchong. Esteve presente o nosso ministro dos
Negócios Estrangeiros, Zacarias Costa. Dirigi o Quarteto Lafaek, que significa
Crocodilo e tem a ver com o nosso símbolo, uma antiga lenda. Juntamente com a
célebre soprano chinesa Xia Yu, interpretámos peças de minha autoria, temas
tradicionais timorenses e de autoria de Xian Xing Hai. Destaco que foram
cantados poemas em português, de Miguel Torga, Ricardo Reis e do poeta e
prosador natural de Díli Fernando Sylvan. Foi uma cerimónia lindíssima e muito
emocionante, de homenagem a Timor-Leste, e também de homenagem a Portugal, pois
eu também sou português, somos povos amigos e irmãos.
E tudo isso na capital da
China.
A China
sempre foi um país nosso amigo. Esta celebração é também uma homenagem à China
e ao povo chinês que nunca nos abandonou durante a luta até hoje, que somos
nação independente. Mesmo quando outros nos abandonaram. É com mágoa que
dizemos que Portugal nos abandonou. Não o povo português, mas Portugal como
instituição formal, quando a Indonésia, não o povo, mas quem deu ordens, nos
invadiu e massacrou. A China nunca nos abandonou, continua a dar-nos valiosos
auxílios, com o seu dinheiro e com os seus técnicos. Timor-Leste deve muito à
valiosíssima ajuda da República Popular da China.
O seu sonho, o desejo maior
neste momento, em relação a Timor?
Que fosse
possível construir um edifício que alojasse a Escola de Música em Díli. Tenho
enorme esperança de que em breve seja possível.
Qual é o seu político timorense
de referência?
Há um homem
que muito respeito, por ser um grande político, com gigantesca capacidade. Esse
homem é Ramos Horta.