RETIRO MINISTERIAL DO g7+ - SUDÃO DO SUL

>> 20111019

Foto: António Ramos


REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DE TIMOR-LESTE

ALOCUÇÃO DE
SUA EXCELÊNCIA O PRIMEIRO-MINISTRO
E MINISTRO DA DEFESA E SEGURANÇA

KAY RALA XANANA GUSMÃO
POR OCASIÃO DO RETIRO MINISTERIAL DO g7+


Exmo. Sr. Kosti Manibe, Ministro das Finanças e do Planeamento Económico do Sudão do Sul
Exmos. Ministros
Irmãos e Irmãs
Excelências

É uma grande honra e um privilégio estar aqui a discursar na abertura deste Retiro Ministerial do g7+.

Gostaria de começar por agradecer aos nossos anfitriões da República do Sudão do Sul.
Estamos aqui não só para participar neste Retiro Ministerial do g7+, como também para demonstrar a nossa solidariedade e apoio para com o Sudão do Sul.

Podermos estar aqui poucos dias após se assinalar o 100.º dia da independência do Sudão do Sul, que passou assim a ser a nação mais jovem do mundo, é algo de especial para todos nós.

Não só damos os parabéns ao Sudão do Sul pela sua independência como também celebramos o nascimento desta nova nação.

Louvamos o povo do Sudão do Sul pela sua coragem, sacrifício e determinação em alcançar a independência.

Desejamos, portanto, um futuro risonho para esta nova nação como também nos comprometemos a fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para ajudar o Sudão do Sul a tornar-se um Estado forte, bem-sucedido e pacífico.

Gostaria ainda de congratular o Presidente da República e o Governo do Sudão do Sul por organizarem este evento internacional e agradeço-lhes a calorosa recepção que nos proporcionaram.


Senhoras e senhores,

Permiti-me por favor dizer algumas palavras breves sobre as experiências de Timor-Leste como nova nação e ao nível da construção da paz e da construção do Estado.

No seguimento do nosso Referendo em 1999, no qual o povo votou corajosamente pela independência, vimo-nos presos num ciclo vicioso de violência.

Isto aconteceu porque as expectativas eram muito, muito altas.
Sensivelmente a cada dois anos sofremos surtos de violência que resultaram na perda de vidas e na destruição de propriedades.

Em 2006, apenas quatro anos após termos assumido a soberania da administração das Nações Unidas, sofremos o nosso pior conflito interno. Este período de violência ameaçou destruir completamente a nação pela qual tínhamos lutado e sofrido tanto.

Foi necessário quebrar este ciclo de violência.
Para tal precisámos ter a humildade de reconhecer que tínhamos falhado. Falhamos em abordar as verdadeiras causas dos nossos problemas e falhamos na construção das nossas instituições do Estado.

Quando o nosso Governo tomou posse em 2007 começámos a trabalhar com vista a reduzir a nossa fragilidade.

Incidimos em reformas ao nível do nosso sector da segurança, de modo a capacitar e a profissionalizar a nossa polícia e as nossas forças armadas.
Introduzimos políticas sociais para dar resposta às causas subjacentes da nossa fragilidade e para apoiar os nossos veteranos e idosos, que sacrificaram tanto na luta pela independência.
Reestruturámos o sector público, implementámos reformas ao nível da gestão das finanças públicas e estabelecemos órgãos de fiscalização independente para promover a boa governação.
Abordámos também a questão da pobreza e encorajámos o crescimento económico, de modo a sustentar o nosso desenvolvimento.

2009, no 10.º Aniversário do Referendo, o Governo lançou um novo mote “Adeus Conflito, Bem-vindo Desenvolvimento” que foi acolhido pelo nosso povo, o qual estava cansado de sofrer e de lutar entre si.

Actualmente estamos a viver um período de estabilidade e segurança e de forte desenvolvimento económico.
Este período de estabilidade permitiu-nos preparar um Plano Estratégico de Desenvolvimento a 20 anos com incidência em três áreas essenciais: capital social, infraestruturas e desenvolvimento económico.

Este plano representa as esperanças e aspirações do povo timorense, constituindo a pedra basilar dos nossos esforços de construção nacional à medida que nos continuamos a deixar para trás a nossa fragilidade inicial e nos tornamos cada vez mais uma nação segura, pacífica e bem governada.

O próximo ano será muito importante para nós.
Em 2012 iremos organizar eleições presidenciais e legislativas – as terceiras eleições democráticas em Timor-Leste.
Estamos confiantes de que elas irão decorrer de forma pacífica, porém precisamos continuar atentos.
 
Embora acreditemos que nos estamos a tornar uma sociedade mais estável, pacífica e tolerante, continuamos a ser uma nação frágil.
Sabemos pela nossa experiência dolorosa que é mais fácil incendiar uma casa do que construir uma – da mesma forma que é mais fácil descarrilar um Estado do que desenvolver um.
E é por isto que estamos aqui hoje.


Amigas e amigos,

Hoje reunimo-nos para discutir o nosso futuro.
Podemos reunir-nos como Estados frágeis e – em alguns casos – Estados afectados por conflitos, porém podemos também reunir-nos com união e força.
Juntos temos muita experiência e sabedoria para partilhar.

As nossas experiências comuns criam laços naturais de solidariedade e compreensão entre nós.
As nossas experiências comuns fomentam laços de solidariedade e compreensão.
As nossas experiências diversas dão profundidade e valor ao nosso grupo.

Hoje podemos ser abertos a respeito dos nossos problemas. Podemos ser honestos sobre as
nossas falhas. E podemos partilhar e celebrar os nossos sucessos.


Amigas e amigos,

Esta reunião de Estados frágeis, Estados afectados por conflitos e Estados pós-conflito é o passo mais importante para a consolidação e para o futuro do g7+.

Se este órgão vai ter sucesso nos seus objectivos ou se vai desaparecer com o tempo depende de nós.
Sou um grande apoiante do potencial do g7+. Por esta razão tenho promovido este órgão junto da Assembleia Geral das Nações Unidas, do Conselho de Segurança e de outros fóruns em que tenho participado.

Somente juntos, falando a uma só voz e agindo como um grupo, poderemos mudar a forma como a ajuda é prestada.
E só aprendendo uns com os outros e apoiando-nos mutuamente será possível deixarmos para trás a fragilidade e o conflito.
Desta forma, podemos encarar o g7+ como tendo dois papéis. O primeiro é externo, representando-nos colectivamente junto do mundo.
 
O segundo é interno, permitindo-nos aprender uns com os outros a fim de informar as nossas próprias abordagens à construção da paz e à construção de Estados.


Senhoras e senhores,

Um dos nossos principais objectivos é melhorar a transparência e a efectividade da ajuda internacional.
Queremos retomar as rédeas do programa de desenvolvimento e garantir que este não enfraquece a nossa autodeterminação.

Não lutámos pela independência para agora deixarmos de ser senhores do nosso próprio desenvolvimento.
Todavia a nossa experiência mostra justamente que a ajuda tem potencial para enfraquecer os nossos processos internos; para na verdade impedir a construção institucional.

Temos verificado que a ajuda pode resultar em programas caros controlados por países estrangeiros, nos quais a maior parte dos fundos acaba por reverter para as nações doadoras sem beneficiar significativamente o nosso povo.

Temos igualmente verificado que a prestação de ajuda pode ser inflexível e demasiado burocrática, fazendo com que haja fundos gastos nos sítios errados e com que os fundos não possam ser usados para impedir conflitos emergentes que ameaçam o Estado.

Tivemos também de lidar com os ‘peritos’ em desenvolvimento, os quais procuraram impor as suas soluções com base na oferta ou em modelos pré-estabelecidos, não tendo em atenção a nossa cultura, o nosso contexto e a realidade do nosso país.

E o pior de tudo é que quando os programas de ajuda falham a culpa nunca é do parceiro de desenvolvimento mas sim nossa, do nosso povo.

Acontece que para se atingir o desenvolvimento não basta seguir alguns passos fáceis e universais, como se estivéssemos a seguir uma receita num livro de culinária.
Todos os Estados frágeis são diferentes e requerem abordagens distintas.

Mas não viemos a este retiro criticar a ajuda externa.
Estamos aqui para trabalhar no sentido de tornar a ajuda mais efectiva, tanto para os nossos povos como para os parceiros de desenvolvimento que a prestam.

Compete-nos a nós exercer a liderança, estabelecer as prioridades e assumir o controlo, sabendo que assumir o controlo envolve aceitar a responsabilidade.
Compete a nós fazer a transição a partir de abordagens tradicionais de prestação de ajuda para modelos mais efectivos.

Compete a nós garantir que a assistência de desenvolvimento responde às exigências, necessidades e aspirações dos nossos povos.

Precisamos de um novo sistema de ajuda.
Este sistema precisa reconhecer que os Estados frágeis não conseguem atingir a maior parte dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio.

O sistema precisa reconhecer que antes de se poderem atingir os ODMs é necessário iniciar um processo inter-relacionado de construção de paz e construção de Estados.

Precisamos defender a importância dos objectivos de construção de paz e construção de Estados como alicerces necessários para a concretização dos ODMs.
E precisamos ser nós os responsáveis por medir a nossa própria fragilidade, ao invés de serem outros a fazê-lo por nós.
Para tal é necessário que a voz dos Estados frágeis seja ouvida, que as nossas experiências sejam tidas em conta e que sejam feitas alterações no sentido de transformar as políticas da ajuda internacional.

No futuro precisamos incidir nos resultados e não nas contribuições.
Precisamos explorar a forma como a tecnologia global e a revolução das telecomunicações podem ser utilizadas para desenvolver as nossas nações. Precisamos igualmente estudar o modo como as novas tecnologias podem trazer oportunidades a nível de cuidados de saúde e educação e oportunidades económicas.

E precisamos ainda aproveitar as alterações estruturais políticas e económicas históricas que se estão a verificar.
Não só estamos a assistir à transformação de grande parte do mundo árabe, como vimos também o crescimento de grandes economias emergentes.

Muitas nações africanas já estão a beneficiar do crescimento da China e do potencial resultante em termos de construção de infra-estruturas com uma boa relação qualidade/custo.
Muitos de nós já estamos a ir buscar assistência técnica e profissional à Índia, em vez de aos países desenvolvidos tradicionais.

Estamos também a procurar formar os nossos povos e a desenvolver as nossas qualificações, conhecimentos e recursos humanos nas economias emergentes do Sudeste Asiático, bem como na Índia e no Brasil.

Com esta mudança ao nível do poder político e económico iremos também assistir a alterações no que diz respeito à governação global e às nossas instituições internacionais.

Estas tendências irão continuar, pelo que não podemos ser passivos em face das alterações estruturais que acontecem à nossa volta. Pelo contrário, precisamos garantir que iremos beneficiar delas.
Não podemos continuar a ser os últimos países neste novo mundo globalizado.


Amigas e amigos,

O Quarto Fórum de Alto Nível sobre Eficácia da Ajuda terá início no próximo mês em Busan, na Coreia do Sul.
Esta é uma reunião essencial para o g7+, sendo que este Retiro irá determinar o nosso potencial sucesso na Coreia do Sul.

Neste Retiro precisamos desenvolver as nossas prioridades e determinar a posição que iremos assumir em Busan.
Isto inclui trabalharmos numa estratégia eficaz e sofisticada de comunicações.
Precisamos garantir que a nossa voz é ouvida em Busan.
Precisamos assegurar que o quadro futuro de prestação de ajuda leva em conta as nossas necessidades e as nossas situações.
E precisamos garantir que serão as nossas experiências a definir os termos da discussão sobre ajuda internacional – ao invés de nos ditarem esses termos.


Excelências,

Ainda que o g7+ tenha nascido dos debates globais sobre eficácia da ajuda, isso não significa que nos devamos limitar a esta questão.
Este grupo dá-nos uma oportunidade única para desenvolvermos uma agenda que apoie as nossas nações e os nossos povos.

Há muitas questões para lá da ajuda que são determinantes para o nosso progresso e para o nosso futuro.
Estas incluem políticas a nível de comércio global, finanças, trabalho, saúde, ambiente e desenvolvimento.

O g7+ dá-nos uma voz colectiva para sermos ouvidos a respeito de questões internacionais com impacto sobre os nossos povos.
Mas para sermos ouvidos e para sermos reconhecidos como a voz global das nações frágeis, precisamos estar unidos.
Precisamos igualmente ter credibilidade – e para termos credibilidade precisamos de ter substância.

Apelo ao Grupo de Trabalho Político deste Retiro que estabeleça as bases para desenvolvermos um conjunto partilhado de prioridades e políticas.

Precisaremos conduzir investigações, preparar casos de estudo e documentos de discussão e avaliar de forma crítica o modo como as acções globais têm impacto nas comunidades locais nos nossos países.

A defesa de uma agenda política substantiva dá uma grande margem ao g7+ para influenciar alterações globais no futuro, sendo que estas alterações permitirão melhorar as vidas e o bem-estar dos nossos povos.


Amigas e amigos,

Antes de terminar, gostaria de falar do papel ‘interno’ que o g7+ pode desempenhar.
Este papel permite-nos falar como amigos, num espírito de solidariedade e apoio, a respeito do progresso dos nossos próprios países.

Podemos partilhar as nossas experiências, tanto boas como más, com pessoas que entendem as nossas circunstâncias.

Enfrentamos muitos desafios comuns.
Estes desafios levantam questões para as quais temos mais possibilidades de encontrar respostas trabalhando juntos. Estas questões incluem:

• Como transformamos uma economia de subsistência numa economia moderna?
• Como desenvolvemos os nossos recursos humanos?
• Como construímos infra-estruturas básicas?
• Como gerimos a ajuda sem abdicar da nossa soberania?
• Como garantimos a segurança quando somos frágeis?

Estas questões não têm respostas fáceis, porém ninguém está mais bem situado para encontrar estas respostas do que nós.
Isto acontece uma vez que são os nossos povos que sabem o que é viver em situações de fragilidade. São os nossos povos que precisam encontrar a coragem, a determinação e o espírito para passar da fragilidade para a força.

E nós compreendemos as realidades das nossas nações e o que significa viver com pobreza extrema, com insegurança e com luta.
Este Retiro dá-nos a todos a possibilidade de desenvolvermos ainda mais os nossos laços de
confiança e amizade.
Apelo a todos nós para que aproveitemos ao máximo esta oportunidade rara.


Irmãos e irmãs,

Obrigado pelo tempo concedido para falar a todos vós hoje. É sem dúvida uma honra e um privilégio.

Nesta sala temos um grupo de pessoas oriundas de muitos países, possuindo experiência sem rival em termos de Estados frágeis.
Todavia há ainda muito trabalho a fazer, sendo que este Retiro estabelecerá os alicerces para o futuro do g7+.

Estou ansioso por trabalhar convosco no futuro, levando os resultados deste Retiro até à comunidade internacional.

Muito obrigado.

18 de Outubro de 2011
Kay Rala Xanana Gusmão

Juba, Sudão do Sul

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