Os Portugueses em Timor
>> 20110125
"Aqui desembarcaram Portugueses em XVIII-VIII-MDXV", Lifau, Oecussi
"O que mais se ouve pelo ar entre nuvens de marlboro, suspirado pela “elite” local expatriada, sentada com o seu licor beirão nas mesinhas do Hotel Timor, com uma voz completamente parva e imbuída de condescendência, como se houvesse qualquer indignação:
- Pfff! Já se sabe como é que eles são!…
Eles, eles. Eles… todos? Como é que eles são? Tu sabes? Ah! Perdoe a informalidade: onde e como é que os aprendeu? Há uma superioridade explícita em todos os gestos dos Portugueses em Timor, como se os nossos hábitos, experiências e modos de fazer fossem de facto exemplo para uma melhor civilização.
Essa ideia de que, por baixo do véu da língua, somos o melhor que lhes poderia ter acontecido, sem nunca lhes termos perguntado se lá na selva, a lutar pela sobrevivência e independência, faziam ideia que a autodeterminação pressupunha uma nova invasão desta gente sem critério. Os Portugueses em Timor envergonham-me. Em longa conversa com um bom amigo Timorense, homem dos direitos humanos, ao fim de 2 horas ele lá se saiu com o que queria perguntar desde o início:
- Então, e o que se passa com os Portugueses aqui em Timor? Aquela atitude, estranha, porquê? O paternalismo, o menosprezo, a condescendência, o desprezo, a vida social, e a língua… porque é que os Portugueses são os únicos internacionais aqui que não se esforçam para falar com as pessoas do sítio onde estão?
Se os Portugueses em Timor soubessem falar tétum, sempre que quisessem dizer “nós”, utilizariam a forma exclusiva – “ami” – querendo dizer que nós nunca somos “nós todos” – “ita” – mas sim uma elite à parte.
Temo que a amostra dos Portugueses que veio parar a Timor está longe de ser excepção daquilo que representa Portugal. E é tão triste. Poucos são os visionários homens e mulheres lusos de princípios e com vontade de realmente apoiar a nação a ter uma qualidade de vida melhor. É cada um a meter para o seu bolso, a amostra dos suspeitos do costume, chupistas sem escrúpulos, coscuvilheiros do instante, muitas vezes incompetentes e quase sempre interesseiros que zarparam de um país a recibos verdes para virem ser doutores assessores super importantes e sobre-bem pagos, carregados geneticamente de ideais colonialistas que transpõem constantemente para o outro que o acolhe.
Não páro de reconhecer aqui à minha volta o que li numa entrevista do Global Voices às produtoras do Buala.org – “portal interdisciplinar de reflexão, crítica e documentação das culturas africanas contemporâneas em língua portuguesa“. Sim, aos Portugueses em Timor, faltam-lhes “novos olhares, despretensiosos e descolonizados”:
Sabemos bem desse tão perigoso atributo “civilizacional” que existia no tempo colonial, e que permaneceu nas mentes por muito tempo devido à idéia manipulada de excepção do colonialismo português, revestida de lusotropicalismo e de outras teorias suavizantes.
Aposto que todos os Portugueses em Timor ontem votaram Cavaco. Infelizmente, das cinco vezes que fui à Embaixada de Portugal em Díli tentar recensear-me, as senhoras-dos-balcões, tão aportuguesadas, disseram que o sistema não estava a funcionar, ou que ainda não era hora do registo, ou que havia um problema de rede, ou outras balelas burocráticas intercontinentais tão típicas que me levaram na última investida a deixar claro só: “O meu nome é Sara. Moreira. Estou em Timor , mas não vou estar sempre em Díli, portanto se acontecer alguma coisa (não seria a primeira vez…), já sabe que a Sara sou eu, e que estou em Timor.”
E portanto não me recenseei, maldito sistema, constantemente em baixo, não me permitiu mostrar o quanto gostaria de ter um médico idealista de carreira assente em missões humanitárias a representar todos os Portugueses. Mas aposto que os Portugueses em Timor ontem, apesar do contexto em que se encontram, votaram Cavaco. Os restantes que se abstiveram, deve ter sido ora porque são monárquicos, ou pela falta de AC na Embaixada, o sistema que não estava a funcionar, ou mesmo, a melhor, “não há nada a fazer, lá em Portugal está tudo mal”. E aqui em Timor, pelo comportamento que mostram, também deve estar, certo? Subscrevo as palavras de Rui Tavares, que descreve o Cavaco como “símbolo da hipocrisia nacional, da sisudez travestida, do autoritarismo que eu não gostaria que nos representassem. Mas que se calhar representam, e eu democraticamente aceitarei.“ E Timor tem de levar com ele todos os dias, em Português."
in blog da SaritaMoreira: http://www.saritamoreira.com/2011/01/os-portugueses-em-timor/