Em entrevista à Antena 1 / RTP Internacional, o jornalista Ricardo Alexandre conversa com o Presidente da República Democrática de Timor-Leste. Com base na audição da mesma através deste
link o UmaLulik fez a transcrição da mesma, tendo em vista quem não a consegue ouvir ... poder assim usufruir do seu conteúdo escrito.
Na introdução à entrevista, da
RTP / Antena 1, pode ler-se:
"
Entrevista a Ramos-Horta
O presidente de Timor-Leste, Ramos-Horta, recorda que estava em Portugal há precisamente 19 anos, na altura em que recebeu um telefonema a contar-lhe que estava a haver um massacre no seu país. 12 de Novembro de 1991 ficou para sempre marcado na História como o dia do massacre de Santa Cruz.
Nesta entrevista conduzida pelo jornalista Ricardo Alexandre, Ramos-Horta lembra as condições em que Timor-Leste se tornou independente e as dificuldades económico-financeiras que o país tinha na altura, fazendo uma comparação com a situação actual. O laureado com o Prémio Nobel da Paz admite que houve recuos e falhas na História recente de Timor-Leste, tal como em todos os processos desta natureza.
Ramos-Horta faz ainda um diagnóstico geral do estado do país, reconhecendo que há falta de quadros técnicos para resolução de problemas concretos. O presidente timorense aponta ainda críticas aos países doadores e à ONU pela falta de cumprimento dos compromissos que tinham assumido.
Ricardo Alexandre: Presidente Ramos-Horta, bom dia. Onde é que estava no dia 12 de Novembro de 1991?
José Ramos-Horta: No dia 12 de Novembro de 91, não me esqueço, estava em Portugal, Lisboa, mais concretamente em Odivelas em casa de um irmão meu. Tinha lá e creio que ainda tem, um apartamento muito modesto. Ainda tinha naquela altura aqueles telefones feitos de preto, antigos que quando tocam fazem um chinqueiro desgraçado, acorda o prédio todo. Não me lembro a que horas da madrugada, recebo um telefonema de Dili quando eram já em Dili, portanto, decorria o massacre de Santa Cruz e alguém que anos depois vim a encontrar porque ele disse: "eu fui a pessoa que lhe telefonou" e dizia, está a decorrer um massacre, estão a matar gente e eu ouvia muita gritaria, ele não estava a telefonar muito longe dali duma rede de telefone fixo. E fiquei assim meio confuso, desorientado em pé de madrugada, sentindo-me impotente, "a quem é que vou telefonar?", e tento obter mais informações de outras fontes e na altura vi que a única forma de poder fazer algo é alertar todos os midias que pudesse. O primeiro midia que eu telefonei foi para a Lusa, em Lisboa. E depois a partir daí começou a haver muito mais solicitações de todo o mundo e, não me esqueço do editor, um dos responsáveis, do The Independent, de Londres, com quem eu tinha estado uma semana antes, em Londres a alertar para a situação de gravidade em Timor-Leste, ele disse: "eu peço muitas desculpas mas quando o senhor me falou eu não prestei muita atenção, achei que estava a exagerar e afinal o que o senhor disse aconteceu. Foi claro nas horas seguintes, toda a diplomacia portuguesa entrou em acção em todo o lado. Começou assim a primeira grande movimentação diplomática portuguesa.
RA: Sabemos que muita coisa aconteceu desde então, Timor-Leste é um país independente há vários anos, tem tido alguns percalços como em 2006 e o atentado contra a sua vida em 2008 mas de qualquer forma acha que os dirigentes políticos do país têm sabido honrar a memória daqueles que perderam a vida em Santa Cruz?
JRH: Acredito que sim. Recuos, falhas, em todos os processos houve e continuará a haver; tendo em consideração como é que nós recebemos o país em 2002; com que orçamento o governo de então lidava, menos de 70 milhões de dólares, orçamento geral do Estado e com muitos países doadores a debandarem a partir de 2002 2003; com a maioria a não querer apoiar o orçamento geral do Estado, preferem os seus próprios programas de desenvolvimento que nós não controlávamos. Apenas poucos países, um deles era Portugal, que nunca hesitou em e tinha sensibilidade para saber que uma das formas de apoiar uma democracia; uma das formas de apoiar a criação, a edificação do Estado democrático, jovem, é apoiar o Orçamento Geral do Estado.
RA: Esses problemas, essa forma de actuar que aconteceu até 2002 ainda se reflecte na vida de Timor hoje?
JRH: Felizmente não, porquê? Porque hoje Timor-Leste tem uma enorme folga financeira que começou em 2005 com o jorrar do petróleo, do dinheiro do petróleo e que hoje acumulamos biliões de dólares. E hoje Timor-Leste é totalmente, auto-financia o seu Orçamento Geral do Estado. Portanto, não dependemos de qualquer ajuda externa para o Orçamento Geral do Estado.
RA: Os recursos do petróleo têm sido devidamente canalizados para o sector produtivo?
JRH: Bom, aí se levantam muitas questões. Uma é: subiu dramaticamente o Orçamento Geral do Estado, comparando com 2002, menos de 70 milhões de dólares, a partir de 2006 ainda no momento da crise, com o Dr. Mari Alkatiri ainda Primeiro-Ministro, quando o Orçamento Geral do Estado foi aprovado, porque na altura o ano financeiro começa em Junho, o Orçamento já tinha subido para duzentos e tal milhões.
RA: E agora é de quanto?
JRH: Mas hoje, 800 milhões, portanto muito mais dinheiro ainda e no entanto a execução orçamental por alguns ministérios, sobretudo o Ministério de Infra-Estruturas, estradas, pontes, água e saneamento, electricidade, etc, é o que revela índices muito mais baixo de execução. Só por aí nós vemos que o dinheiro disponível não está sendo utilizado. Isto não significa necessariamente esbanjamento ou a corrupção, o dinheiro que não é usado volta para o Tesouro no fim do ano orçamental.
RA: Mas as obras ficam por fazer.
JRH: As obras ficam por fazer. O que é que interessa a um país ter dinheiro e os governantes não sabem como usar esse dinheiro. É como o senhor dar-me 100 mil dólares ou 100 dólares para comprar uns rebuçados e nem sequer sei onde comprar rebuçados, até fico com o dinheiro no bolso, fico sem os rebuçados, sem arroz. Mas isto pronto, até isso é desculpável. É desculpável que os Ministérios, alguns deles pelo menos, pela escassez de recursos humanos, pela experiência, tenha dificuldades em executar o orçamento. Mais grave ainda é que o próprio Ministério, o mesmo Ministério das Infra-Estruturas, quando apresenta projectos de construção, seja o que for, o orçamento apresentado é sempre muito exagerado. Uma casa, em que um privado timorense, que eu conheço, já vi com os meus olhos dezenas dessas casas, casas muito boas, feitas por privados timorenses com nível, privados, isto é, casas pessoais deles, por 150 mil, 100 mil, já se fala numa casa muito boa. Ora, uma casa boa de quatro quartos, varandas, enfim casa moderna em qualquer lado do mundo. Quando é o Ministério das Infra-Estruturas, sobretudo a Secretaria de Estado das Obras Públicas, faz uma casa do Estado ou até só para melhorar uma daquelas casas dos ministros lá do Farol, nunca é menos de 500 mil, 600 mil dólares. Eu com 500 mil 600 mil dólares faço 4 casas modernas maiores do que essas que eles estão a arranjar. Computadores, um laptop, numa loja aqui, compra-se por 1000 / 2000 dólares, enfim depende da marca. Quando passa pelo nosso serviço de aprovisionamento, esse computador de repente custa como um computador lá da NASA, lá da Flórida, da Pasadena, 5000 / 6000 dólares.
RA: Ou seja, estamos a falar de corrupção?
JRH: Bom, aí não sei se será corrupção ou idiotice de quem se ocupa das aquisições porque também há disso, idiotice, ingenuidade, em que o fornecedor diz-lhe: "isto custa 1000 dólares", "custa 3000 dólares", o ministro assina e manda pagar. Ou há um conluio entre quem faz o pagamento e a loja, a loja diz: "nós dizemos que são 5000, o senhor paga 5000 e fica lá com uma percentagem". Portanto eu aqui não acuso ninguém mas eu teria que ser um super ingénuo para pensar que não existe concluios desses. Mas felizmente o Primeiro-Ministro e a Ministra das Finanças já intervieram com muito rigor. Compilou-se um livro enorme dos preços de todos os produtos possíveis que o Estado normalmente compra. Foi um trabalho exaustivo e os preços estão ali tabelados e aí, portanto, já não há por onde enganar o Governo.
RA: Quais são então os principais problemas com que o país se defronta actualmente? O atraso nas infra-estruturas e essa ineficácia da máquina do Estado.
JRH: Continua a ser um problema grave que o Governo reconhece, o Primeiro-Ministro reconhece o problema, deficiência, falta de recursos humanos a todos os níveis. É porque são Ministérios novos, somos um país novo, não viemos duma tradição de uma experiência de dezenas de anos de país, começou-se em 2002 e as expectativas e as ideias são muitas e o Governo anterior enfrentava essas dificuldades de execução orçamental mas como o orçamento era menor e o Dr. Mari Alkatiri enfim, nesse aspecto, ele era muito muito exigente e rigoroso, ele seguia passo-a-passo cada Ministério e hoje o Orçamento é muito maior, logo é muito mais difícil também do Primeiro-Ministro controlar cada Ministério. Os Ministérios estão aí para apoiar o Primeiro-Ministro, fazem parte de todo um Governo. Alguns que funcionam muito bem, outros que não conseguem dar conta do recado e volto à carga sobre o Ministério das Infra-Estruturas que é um super-Ministério com quadros muito muito poucos. Há gente muito boa no Ministério das Infra-Estruturas, o Secretário de Estado das Obras Públicas ao Vice-Ministro Carrascalão, são muito dedicados, é o que toda a gente fala mas há falta de liderança e falta de quadros e não conseguem responder às exigências constantes, sobretudo este ano, em que as chuvas não ajudaram nada. Se as estradas já eram precárias em 2009, 2010 apesar de que foram feitos Kms de estradas, foram arranjadas Kms de estradas, vieram as chuvas e foram todas lavadas, varridas.
RA: Há muito trabalho por fazer ainda na área da saúde e da educação, nos equipamentos de saúde e na construção e reconstrução de escolas?
JRH: Sim, na área da educação eu aí também não compreendo como é que já lá vão quase 10 anos, ainda não reconstruímos todas as escolas que foram destruídas em 99. Como é que ainda não construímos todas as escolas necessárias mas aí a falha não é apenas do Governo é também dos doadores. Aonde é que está esse dinheiro todo que os doadores falam? Fala-se em biliões de dólares. Foram os doadores é que pegavam nesse dinheiro, não é o Governo Timorense, nem o anterior nem o actual é responsável pela gestão dos dinheiros dos doadores. Uma coisa é o Orçamento Geral do Estado, é dinheiro nosso, somos directamente responsáveis, outra é a ajuda para o desenvolvimento. Aí eles executam, algumas vezes com o Governo, no caso da União Europeia, alguns projectos que eles apoiam, bastante importantes, bons, é com o Ministério da Saúde. Mas a maioria não, eles contratam os seus consultores, ONG's ou empresas privadas, em sintonia com o Governo mas o facto de que segundo o próprio Ministro da Educação, das mais de 1000 escolas destruídas ou danificadas em 99, arranjaram-se e o Governo construiu pouco mais de 200 escolas.
RA: É muito pouco.
JRH: É muito pouco. Embora por outro lado, se compreenda a escolaridade explodiu, aumentou ...
RA: A população aumentou também 15%
JRH: A população aumentou bastante, a escolaridade aumentou. Foi bom. Há 2 anos atrás a escolaridade era pouco mais de 60%, agora é 84%, daqui por mais 2 / 3 anos podemos atingir 100% de escolaridade mas isto não quer dizer nada e é sempre o perigo das estatísticas, não é? Porque a pergunta que se coloca é: número de sala de aulas aumentou em proporção aos alunos? O número de professores? Qualidade dos professores? Material escolar. Livros. Aumentou tudo isso em proporção ao número de alunos? Não! Há muitos problemas na educação, de professores que faltam por as mais variadas razões, muitas das escolas sem cadernos escolares, sem livros, sem água, água limpa para as crianças beberem. Portanto, a luta, o esforço ainda é enorme.
RA: O que é algo difícil de compreender para um país que já tira dividendos de um Fundo do Petróleo, não é?
JRH: Não, eu não diria que é difícil de compreender, apenas é que o país tem 8 anos, quando digo isso não quero dizer que devíamos ter resolvido esses problemas todos. Leva anos para termos milhares de professores de qualidade. Leva anos para levarmos a todas as escolas do país, significa também - a todas as aldeias do país, água potável, electricidade, internet, bibliotecas, etc. Nós gostaríamos de ter feito mais mas compreendo perfeitamente, não quero ser masoquista, de nos flagelarmos com auto-críticas quando não acredito, seja qual for o Governo, mesmo que tenhamos para aqui alguns supra-sumos do mundo, não creio que em 8 anos se possa ter resolvido, sobretudo o número de professores e a qualidade de professores. Porque isto, ao fim e ao cabo é o principal, eu posso ensinar um grupo de crianças debaixo de uma árvore e no entanto o ensino é de qualidade. Este é o grande dilema que nós enfrentamos.
RA: Presidente Ramos-Horta, porque é que o senhor reagiu de forma tão áspera às críticas feitas por parte do Secretário Geral das Nações Unidas e por parte da ONU ao facto do senhor ter indultado as pessoas que atentaram contra a sua vida há dois anos?
JRH: Acha que foi tão áspero?
RA: No sentido de criticar o Secretário Geral da ONU e dizer que a ONU enquanto que esteve cá não fez o que devia fazer.
JRH: Pois, a ONU mantém assim uma certa tradição, inclinação, para nos dar determinadas palestras só que quem dá palestras convém às vezes ter mais cuidado e pensar no seu próprio record, não é? Porque é que a ONU não se auto-critica, por exemplo, de não terem estabelecido em 2000, em 99 / 2000, um Tribunal Internacional? Estabeleceram um "serious crime pannel", um painel de crimes sérios ...
RA: Mas era também isso que os timorenses queriam, uma espécie de comissão de verdade e reconciliação à imagem da África do Sul.
JRH: Não, isso é diferente. Nós queríamos uma Comissão de reconciliação, de verdade e justiça. A ONU criou um outro painel que era um substituto a um tribunal. Só que em 2003 decidiram pura e simplesmente largar tudo e entregaram aos timorenses. Quando saíram em 2003 então começam a subir de crítica, o tom de crítica em relação à Justiça, à impunidade, etc. Mas em 99 até 2002 eles eram a autoridade exclusiva, omnipotente em Timor-Leste. Teria sido muito mais fácil para o Secretário Geral descer do trigésimo oitavo andar para o Conselho de Segurança, a sala do Conselho de Segurança no primeiro piso e dizer: "Eu quero um Tribunal Internacional para Timor-Leste". Porque é que não o fizeram? Porque, obviamente, a ONU sabe tão bem como eu, ou melhor ainda, o "real politik" do Conselho de Segurança. No caso específico dos indultos que eu faço, obviamente a ONU não tem o monopólio das virtudes e das verdades, não é? Aqui, para mim no mundo, nesta terra, neste mundo, neste planeta, só há uma instituição que eu considero infalível. Esta instituição é o Papa. O Papa para mim é que é infalível. A ONU? Quantas vezes a ONU não errou na sua apreciação de situações pelo mundo fora incluindo Timor-Leste? Portanto, o facto do secretário Geral tecer alguns comentários em relação à minha política de perdão, de compaixão, de indultos e faz a sua análise em relação a isto, não quer dizer que ela é correcta. Eu presto muita atenção, muito mais atenção ao que sua santidade o Papa diz em relação ao que eu faça ou não faça. Portanto, o Secretário Geral é um expert em relação a Timor, como será de muitas outras questões e geralmente o Secretário Geral da ONU nem sequer lê os relatórios que levam o nome dele. Porque, imagina são dezenas, dezenas e dezenas de relatórios que diz assim: Report of Secretary General mas não é ele que escreve. Eles fazem um "executive summary" e ele lá lê parte do relatório. É impossível humanamente para um Secretário Geral da ONU de ler todos os documentos que levam o nome dele. Seja como for, respeito a opinião do Secretário Geral ou de quem escreveu o relatório para o Secretário Geral. Eu conheço o povo, o Presidente da República tem esse privilégio, esse mandato. Haverá outro que vier que não vai concordar com a mesma linha que eu tenho seguido que é de compaixão, de perdão, de entender a circunstância do nosso país e pode dizer, dos 5 anos do meu mandato não haverá indulto seja para quem for.
RA: As pessoas que foram indultadas por si não representam perigo para a segurança do país?
JRH: Sabe, pelo menos desde o tempo em que foram indultados, estes e tantos outros. Eu não indultei apenas o grupo do senhor Salsinha. Indultei Rogério Lobato que é do outro lado da trincheira, do lado da Fretilin. O grupo do Salsinha pertencerá a uma outra trincheira, de certeza não da trincheira da Fretilin porque eram muito opostos à Fretilin. E nenhum deles, Fretilin, Rogério Lobato ou seja quem for, criou o mais pequeno problema até hoje. Eu creio que se algo de positivo vem de tudo isso realça esta presidência ou este Presidente como uma pessoa sensível ao sofrimento humano. E para aqueles que dizem que eu quase que faço arbitrariamente, por amor de Deus, eu falei com todos os líderes político partidários, com todas as bancadas, com o Primeiro-Ministro, com o Dr. Mari Alkatiri, com o Presidente do Parlamento e não só. Eu pedi aos advogados do grupo para irem obter opiniões dos deputados e apresentarem-me um relatório. Unanimidade dos deputados excepto uma deputada que não concordou. Falei com as vítimas, de todas as vítimas apenas uma senhora manifestou discordância. Portanto, eu não sei se o pessoal da ONU, que é extremamente ocupado porque tem muito trabalho em Timor-Leste, tiveram tempo para falar com os senhores deputados todos, tiveram tempo para falar com as vítimas todas como eu falei.
RA: Espera que a ONU... o que é que espera da Missão da ONU nos próximos tempos? Acha que deve ser prorrogada ou deve cumprir o prazo que está estabelecido e ir embora? Já é altura de Timor não ter presença internacional ao nível das Nações Unidas com este tipo de missões? Ou acha que é algo para continuar nos próximos anos?
JRH: Não, Timor-leste tem que estar preparado, em definitivo, para a saída da ONU, deste tipo de Missão, que é uma Missão de Paz, em 2012. Provavelmente final de 2012. Eleições Presidenciais e Parlamentares decorrerão em 2012. Terminadas as eleições legislativas, são as últimas, toma posse o novo Governo em 2012 e a ONU começa a sua saída gradual. Portanto, não me parece que as condições do país exijam que se mantenha aqui uma força robusta das Nações Unidas.
RA: E uma força como a GNR? Faz sentido continuar depois disso ou não?
JRH: Depende das circunstâncias. Na altura poderia ser mas a nível já bilateral entre Timor-Leste e Portugal, se nós assim quem de direito considerar porque, eu pessoalmente se a situação continuar como está, de estabilidade, de acalmia, eu próprio não apoiaria a continuação de qualquer força das Nações Unidas ou bilateral no país. A GNR poderá continuar aqui ou PSP portuguesa mas já num programa de formação mais alargado. Isto é possível mas não no quadro das Nações Unidas, até porque mesmo que nós quiséssemos seria muito difícil convencer o Conselho de Segurança a manter aqui uma força policial de certo significado.
RA: Falando de relações bilaterais com Portugal, parece que é recorrente regressando a Dili, ouve-se muitas críticas das pessoas em relação ao abastecimento de electricidade que ainda é uma coisa bastante deficiente. Segundo julgo saber a empresa responsável é canadiana. Não pensa propor a Portugal um outro tipo de envolvimento da EDP na distribuição eléctrica em Timor-Leste?
JRH: Primeiro, eu não sei se o problema é da electricidade, tem o facto de ser com por causa de ser canadiano. Já tivemos aqui a empresa (?) de Macau e que não era apenas de Macau, tem ali capital da França e de muitos outros países, portanto, esteve aqui Macau, está aqui agora a canadiana, já vieram indonésios para ajudar e fizeram um excelente trabalho. O problema tem a ver com a rede que está super-velha, a fuga, portanto perda de energia pelas linhas de transmissão em 40% e depois há gente que faz ligações directas, muitos privados que não pagam, apenas empresas e outros pagam. Cada Ministério devia pagar uma conta de electricidade porque se os Ministérios pagassem, retirado do orçamento deles, teriam mais cuidado em não gastar energia. O senhor verá, pelo menos no meu gabinete, o senhor verá ali a temperatura estará a 26 graus e eu procuro impor muita disciplina. Apanho um gabinete, um escritório que tenha 18, 20 ou que se esqueceram durante a noite de ter desligado, ficam com aquele gabinete 5 dias úteis sem electricidade, sem ar condicionado, sem luz, etc.
RA: É o castigo?
JRH: É o castigo e já impus, uma vez já impus isso e esta minha política já vem desde o tempo em que eu era Ministro dos Negócios Estrangeiros.
RA: Mas em relação à EDP?
JRH: A EDP é uma óptima empresa. Eu, enquanto Presidente da República e que defende os interesses deste país a todos os níveis, incluindo do ponto de vista comercial escolher os parceiros melhores para Timor-Leste, uma empresa como EDP ou o team Portugal Telecom e tantas outra empresas portuguesas, que se afirmaram em Portugal, na Europa e no mundo e sendo de um país com o qual Timor-Leste tem relações históricas, relações de Estado, relações humanas únicas, eu aponto para cooperação com a EDP e qualquer outra empresa portuguesa. Obviamente, nós sabemos que a EDP lidera hoje na Europa e no mundo na área da energia renovável. Portanto, é questão da EDP e o Governo timorense discutirem, conversarem como é que a EDP pode ajudar em Timor-Leste, sobretudo na área da energia renovável e como Timor-Leste pode beneficiar fazendo aplicação de algum dinheiro do seu Fundo do Petróleo que estamos a aplicar em investimentos do Tesouro Americano, notas do Tesouro Americano, é um investimento, agora estamos a procurar comprar outras notas do Tesouro Australiano e outros.
RA: Portanto, podem investir na própria EDP?
JRH: E porque não? Se estamos no "US Stranger Bond", notas promissoras americanas é um investimento, estamos a investir ali, é seguro, o juro baixíssimo, tudo indica que o Governo vai comprar outras notas promissoras, como Asutraliana, etc. É um investimento. Porque não investir também em empresas comerciais como a EDP, em que o juro pode ser muito maior do que as notas promissoras, como por exemplo, notas promissoras americanas?
RA: Estando a Rádio Televisão de Portugal nesta altura a desenvolver uma acção de formação na RTTL a nível da rádio e da televisão, que importância é que tem para o senhor o serviço em português da televisão mas mais concretamente da rádio, da rádio em Timor-Leste?
JRH: Eu desde, já lá vai pelo menos uns 20 anos, muito antes da independência de Timor-Leste falei em Portugal no Governo, fui até ter um encontro, agora já não me lembro, eu creio que na Emissora Nacional em Portugal, a pedir cursos em português via televisão e rádio. Como a televisão australiana faz para toda a Ásia, eles têm cursos muito bons de inglês pela via televisão e já segui um ou outro, uns minutos desses cursos só para ver a eficácia e a qualidade de discurso, muito bons. Imagino que qualquer pessoa muito facilmente aprende via esses cursos de televisão ou rádio australianos. No caso do português, televisão, rádio, seria extremamente importante que se fizessem programas de ensino da língua portuguesa especificamente direccionados para Timor-Leste. Neste momento como é que ensinamos o português? Bom, no início foi um bocado menos eficaz ainda mas aí não é crítico, foi preciso fazer algo, vieram centenas de professores portugueses e falavam perante milhares de alunos timorenses pelo país fora. Não foi muito útil. Reavaliou-se isso e mudou-se para, o ênfase foi para ensinar, melhorar o português dos professores timorenses em vez de desperdiçar a energia dos professores portugueses tentarem ensinar português a quem nem uma palavra sabe, em aldeias remotas, passou-se a equipar os professores timorenses com cursos de aperfeiçoamento. E será os professores timorenses que dominam o tétum é que transmitem, isso já tem tido resultados e verificamos há 10 anos atrás, 8 anos atrás, não havia mais que 5% de timorenses que entendessem o português. Hoje, os dados estatísticos apontam para 15% e hoje nós verificamos que muitas crianças pelo país fora já falam mais o português do que o bahasa indonésio. Aliás, já não falam bahasa indonésio, hoje falam o português, não falam bem mas insiste com eles para dizerem umas palavras, vão dizendo umas palavras em português. E é preciso gerações, é preciso, dirigentes timorenses, nós que apostámos seriamente nesta língua, dirigentes e governantes portugueses, brasileiros e outros da CPLP que também apostam seriamente no português em Timor-Leste, temos que estar conscientes de que para transformar essa situação, leva-se 10, 20, 30 anos. Só daqui a mais 20 anos é que podemos fazer uma avaliação certa, se o português se enraizou em Timor-Leste ou não. Quando as pessoas tentam fazer uma avaliação m 8 anos, obviamente em 8 anos não é possível, não é ensinar inglês ou português a um grupo de jovens, é para introduzir para todo um país como língua oficial e língua de ensino. Portanto, é muito mais complexo.
RA: Num país com montanhas e com algumas regiões bastante distantes dos centros urbanos, digamos assim, a rádio ainda é importante na sua opinião?
JRH: Sem dúvida e continua a ser mesmo em países onde a televisão domina, nos Estados Unidos, um dos meios de comunicação mais populares nos Estados Unidos o NPA - National Public Radio e mesmo onde a televisão já começa a chegar em Timor-Leste e hoje a cobertura da RTP, TVTL é muito maior em Timor-Leste do que foi há 10 anos, 5 anos atrás, mesmo assim a rádio continua porque a pessoa vai ao campo não vai levar a televisão nas costas, vai ao mercado não vai levar a televisão nas costas, leva o rádio e vai ouvindo o relato de futebol, vai ouvindo o noticiário, etc. Portanto, a rádio vai ser uma companheira do ouvinte timorense durante muitos anos ainda.
RA: O senhor falou há pouco de gerações e de que é preciso uma geração para mudar determinadas coisas. Costuma-se dizer que países que saiem de conflitos às vezes é preciso que haja uma mudança geracional também ao nível dos dirigentes políticos, ou seja, não espera que, até porque será natural que os dirigentes que fizeram e protagonizaram a resistência tenham rivalidades entre si, não espera que um dia surja uma geração de políticos que se substitua à sua?
JRH: Ouça, eu sou uma das pessoas, um dos políticos que não me preocupa rigorosamente nada pois já devia ter surgido há 5 anos atrás. Ou deviam ter surgido em 2006. Em 2006 tiveram de recorrer a mim para a pasta de Ministro da Defesa primeiro, depois Primeiro-Ministro, depois fui empurrado para a Presidência, pronto, para mim já devia ter sido em 2006 ou em 2002. Portanto, assumo a Presidência com muito orgulho porque este povo é um povo extraordinário, para além de ser corajoso, auto-suficiente é um povo humilde e simples. Tenho orgulho de ser Presidente deste povo mas em relação à Presidência da República não faltam interessados, sobretudo alguns visitantes vêm aqui, vêem o Palácio, já começam a ficar mais interessados em passar aqui uns anos e já começam a medir o tamanho da sala, das mesas, das cadeiras, se isso lhes convém, estou a brincar e portanto, não há falta de interessados para o lugar, a questão é da nossa experiência, da minha experiência o Presidente tem de ser muito neutral. E eu que não tenho partido político mesmo assim, de vez em quando, lá aparece um ou outro a dizer que eu sou muito colado ao Mari Alkatiri, mas às vezes quando tomo uma posição mais de compreensão à AMP e ao Primeiro-Ministro Xanana Gusmão, é o Mari Alkatiri que diz que eu estou demasiado encostado ao Governo da AMP. O Mari Alkatiri tem sentido de humor, dizia no passado, quando ele era Primeiro-Ministro, o Governo, o Presidente da República era o Presidente da oposição, isto é, que o Presidente Xanana Gusmão alinhava sempre com a oposição nas críticas ao Governo. E agora ele diz que o Presidente da República é Presidente do Governo, isto é, tapa os olhos ao que o Governo faz em termos de asneira. Ele diz isso com um sentido de humor, mas veja, portanto, a dificuldade de haver equilíbrio.
RA: Tem boas relações com ele pelo que vejo, com o Dr. Mari Alkatiri?
JRH: Encontro-me com ele pelo menos uma vez por semana ou mais. Encontro-me com Xanana uma vez por semana, para além de formalidades semanais, encontro-me com um ou com o outro.
RA: São amigos o senhor e o Xanana?
JRH: Muito amigos. Ainda ontem, a esposa foi para a Tailândia, uma actividade lá que tem a ver com a UNESCO, a dona Kirsty, uma senhora super activa e faz um trabalho exemplar neste país, o Primeiro-Ministro Xanana teve de se reunir todo o dia ontem lá com os seus ministros do Governo não sei aonde fora de Dili. Então eu é que fui buscar os três meninos dele, o Alex que é meu afilhado, o Kay Olok e o mais pequeno, o Daniel que é um amor de menino, lindíssimo e simpático e muito brincalhão, levei-os para ver o motocross, portanto, passei todo o dia com eles. E como sabiam que a mãe não estava cá e sabiam que o pai estava em reunião, quando era horas de levar para casa que a minha mãe tinha dito para eu levar por volta das 5 ou 6, não queriam ir. Preferiam ir a minha casa ver televisão e comer chocolates. Portanto, lá fui eu tomar conta dos três lá em casa até às tantas, já não me lembro a que horas lá a casa.
RA: Presidente Ramos-Horta, muito obrigado por esta entrevista à Antena 1 e RTP Internacional.
JRH: Prazer.
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